“O massacre genocida promovido pelo governo israelense mata de forma proeminente crianças e mulheres”. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
Texto de Elisa Maria e Flávia Quirino, militantes do Movimento Brrasil Popular*
No sistema patriarcal a violência contra as mulheres cumpre um papel central. É o principal mecanismo de controle da vida e dos corpos das mulheres. É o sinalizador explícito: “Você só pode ir até aqui!” ou “Seu corpo me pertence!”. Na guerra, onde o sistema capitalista e patriarcal é extremado, corpo e território se confundem. O corpo como território de conquista.
No primeiro semestre de 2023, o Brasil registrou 722 casos de feminicídio. Mas nós, não queremos contar os corpos. Queremos saber os nomes e refletir sobre a vida que levava cada mulher morta pelo feminicídio. Quantos direitos foram negados até que o homem coloque o ponto final? O que liga cada mulher vítima de feminicídio? O que nos liga, todas as mulheres, vítimas da violência patriarcal?
Nossa luta é sistémica. O patriarcado é um sistema, histórico e social, de opressão, exploração e dominação das mulheres, que tem sua base material na divisão sexual do trabalho e tem na violência sua principal ferramenta de controle. Junto com o racismo e o capitalismo, conforma um novelo, cujo nó só se desata se “resolvermos” as três questões: gênero, raça e classe.
É um sistema porque permeia todas as dimensões da sociedade, não se trata de uma questão entre indivíduos, ainda que nessa relação se corporifique, mas organiza o trabalho, o Estado, a mídia. Histórico, pois temos indício de sua origem com o processo de superação do nomadismo, da criação da agricultura e do reconhecimento da linhagem sucessória, como também acompanhamos sua evolução e papel fundamental na consolidação de outros sistemas sócio-econômicos e políticos. A humanidade “criou” esse modelo de organização, logo ele é social, mutável. Não foi sempre assim e nem será.
A atribuição de papéis aos homens e às mulheres espelha a divisão sexual do trabalho e temos aí a dimensão ideológica e material do patriarcado. “Coisa de menina”, “coisa de menino”, hoje muito cultuado com o “chá de revelação” do sexo da criança, molda e sedimenta a sociedade binária e heterossexista.
Mesmo que as mulheres brancas já estejam inseridas de forma mais perene no trabalho de mercado, pesquisas nacionais do uso do tempo seguem revelando que as mulheres dedicam em média o dobro do tempo dos homens aos trabalhos domésticos. Juntando à dimensão dos trabalhos de cuidados, ouvir, consolar, educar, todo trabalho emocional, as mulheres têm uma jornada de trabalho praticamente ininterrupta e inegociável. A roupa precisa ser lavada, a comida precisa ser feita, a tia-avó precisa de companhia no leito de hospital. Mudando a passos lentos, hoje temos mulheres em profissões ditas masculinas, mas ainda em minoria; assim como somos minorias em posições de liderança, de poder, mesmo que mais qualificadas tecnicamente.
Nos países de capitalismo periférico o entrelaçamento com o racismo é ainda mais evidente.
Último país a abolir a escravidão (de forma incompleta!), no Brasil são ainda as mulheres negras que mais sofrem com o impacto de todas as formas de violências. Exemplo indigno do racismo estrutural do país.
Violência doméstica, violência na rua, violência obstétrica, assédio no trabalho, racismo ambiental e crise climática, as mulheres negras são as principais personagens dos diferentes cenários da violência patriarcal e racista.
A invisibilidade mata. A falta de políticas para as mulheres do campo, indígenas e quilombolas é consequência da centralização política nas capitais e grandes cidades e outras geografias do poder, em especial regionais. Conflito agrário, exploração dos bens comuns e agronegócio, a realidade rural é uma realidade de guerra centenária. Da mesma forma, mulheres lésbicas, bissexuais, trans e travestis, em todos os territórios, ainda estão à margem das políticas, vítimas de tabus, preconceitos, conservadorismo e antigas crenças.
Mulheres portadoras de deficiência sofrem uma violência praticamente naturalizada pela sociedade e pelo Estado. Avanços inegáveis fruto da luta das mulheres trans, travestis, negras, do campo e das florestas, PCD’s, mas rankings persistentes denunciam que o Brasil é um dos países mais violentos para meninas e mulheres e letal para as mulheres racializadas, dissidentes do heterossexismo binário e do produtivismo capitalista.
Segundo a última pesquisa do Datasenado, que desde 2005 realiza a Pesquisa Nacional de Violência contra as Mulheres, as mulheres brasileiras têm a percepção de que a violência no país aumentou, persiste a dificuldade em denunciar e só 20% das mulheres brasileiras conhecem a Lei Maria da Penha.
Os retrocessos na vida das mulheres brasileiras são evidentes depois dos passos largos que o fascismo deu no Brasil. A militarização da vida e o recrudescimento da violência em todas as esferas da sociedade foi percebida pelas mulheres. Violência policial, encarceramento em massa, ampliação da liberação do uso de armas, o rebatimento na vida das mulheres foi inevitável. Das que choram pelos filhos presos ou mortos, às que são assassinadas nas suas próprias casas.
Se no Brasil, lutamos para reverter a falta de políticas públicas de enfrentamento às violências, ao avanço do conservadorismo no Congresso Nacional – que se vale de ideias e ideologias fascistas para limitar os corpos das mulheres, em outros países as mulheres também são a linha de frente da agenda de morte do sistema capitalista. Na vizinha Argentina, as mulheres lutam pelo não retrocesso da legalização do aborto e vivem sob o arrocho econômico do novo governo, que sim, impacta sobremaneira as mulheres.
Do outro lado, a Palestina, que luta por sua autodeterminação enquanto povo, o massacre genocida promovido pelo governo israelense mata de forma proeminente crianças e mulheres. Em quatro meses, são mais de 30 mil mortes, sendo que deste número 12.408 são crianças e 8.400 são mulheres, segundo dados do Ministério de Saúde de Gaza. Se as mães não perdem seus filhos, eles ficam órfãos. Essa é a equação do genocídio em curso, televisionado e mascarado para todo o planeta.
O Genocídio contra o povo palestino reafirma, que sim, são as mulheres as que mais sofrem os impactos com uma guerra, embora não seja este a denominação correta para o massacre.
Diante dos retrocessos, diante da morte, diante da reconstrução do Brasil, nós resistimos, em especial o movimento feminista e de mulheres no Brasil sempre foram a ponta de lança da denúncia de projetos antipopulares. Primavera das Mulheres, #EleNão, Marcha das Margaridas, Marcha das Mulheres Negras, grandes campanhas de solidariedade frente ao colapso da saúde protagonizado pelas mulheres, não baixamos a cabeça em nenhum cenário adverso.
Nesse 8 de março – Dia Internacional de Luta das Mulheres, muito vale o já feito, mais vale o que será. Os desafios se atualizam.
Somos sujeitas coletivas em luta contra as guerras e violências por um Projeto Popular para o Brasil e para o mundo.
Um projeto de soberania, democracia popular, que leve em conta a interdependência das pessoas e das pessoas com a natureza. Um projeto de paz, pão, vida e diversidade. Por Julieta, pelas Mulheres Palestinas, pelas mulheres trabalhadoras de todo mundo. Mulheres vivas, do Brasil à Palestina.
Este é um artigo de opinião pessoal e não necessariamente representa a posição do conjunto do Movimento Brasil Popular