“Bolsonaro possui uma base fiel, um núcleo muito grande de apoiadores fanatizados e pouco afeitos a se relacionar com os fatos”. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Texto de Darlan Montenegro. militante do Movimento Brasil Popular
A primeira constatação que se impõe, a partir da manifestação de domingo na Avenida Paulista, é que Bolsonaro segue sendo uma liderança forte, capaz de levar uma multidão às ruas da maior cidade do país. Mas isso não deveria ser fonte de surpresa e, portanto, não deveria causar alarme ou pânico.
Bolsonaro quase foi reeleito presidente da República, menos de um ano e meio atrás. Sabemos, desde muito antes disso, que ele possui uma base fiel, um núcleo muito grande de apoiadores fanatizados e pouco afeitos a se relacionar com os fatos. Essa base foi às ruas diversas vezes para estimular, incentivar, reivindicar um golpe de Estado. Essa base participou da tentativa de golpe de Estado no 8 de janeiro. Não faria nenhum sentido imaginar que esse público fosse se afastar de seu líder por conta de acusações de tentativa de… golpe de Estado!
Mas, apesar das imagens impactantes, dois fatores sugerem uma redução considerável da capacidade de mobilização do bolsonarismo: o primeiro foi a decisão de construir uma única grande manifestação; nada de Brasília ou Rio de Janeiro, nada de Paraná ou Santa Catarina; todos os esforços (e recursos) foram concentrados em São Paulo, para garantir a foto; o segundo fator, diretamente relacionado ao primeiro, é o reduzido número de participantes, em comparação com manifestações realizadas em mais de uma cidade, e mesmo em comparação com outros atos na Paulista.
A manifestação não deve afetar o rumo das investigações dos crimes de Bolsonaro pela Polícia Federal e o Supremo Tribunal Federal. Não foi suficientemente grande para romper o isolamento ao qual o presidente está submetido desde que tomou a iniciativa de atacar os outros poderes constituídos, em especial o judiciário, e buscar a continuidade de seu mandato na Presidência através do golpe.
Um amplo conjunto de forças sociais e políticas já deu mostras de que não pretende ser condescendente com Bolsonaro, justamente por enxergar no ex-presidente um apetite incontrolável por poder, que passa ao largo de qualquer tentativa de acomodação com as velhas forças políticas da elite brasileira. Passado o domingo, Bolsonaro continua a ser um forte candidato a uma temporada na cadeia.
Mas isso não significa que a parada está decidida, que o fascismo está derrotado, que a extrema-direita perdeu as garras. Nada disso.
Um primeiro motivo de preocupação para o amplíssimo campo de forças que se opuseram e se opõem ao golpismo de Bolsonaro é o fato de que a forte presença de políticos conservadores na manifestação, com destaque para o governador de São Paulo e o prefeito da capital, mostra que o ex-presidente continua a ser a liderança inconteste da direita brasileira. Isso significa que o discurso e as políticas do conjunto desse campo continuam a ser pautados por uma orientação essencialmente fascista. E, não nos iludamos, esse campo vem forte para as eleições municipais.
E esse é o segundo fator que deve preocupar a esquerda: a capacidade de mobilização de Bolsonaro indica que ele ainda será capaz de exercer influência significativa nas eleições municipais. Nas eleições de 2016 e 2020, o desempenho da esquerda em geral foi muito ruim. Sob o efeito do golpe contra Dilma, da prisão de Lula e da vitória de Bolsonaro, a direita e a extrema-direita cresceram, em número de prefeitos e vereadores eleitos, e a esquerda encolheu. As vitórias nas eleições municipais, assim como o avanço ideológico do fascismo, consolidaram o enraizamento da extrema-direita e é bastante possível que ela obtenha um bom resultado, novamente, em 2024. Dificilmente, no entanto, será tão bom quanto nas eleições anteriores, em função do peso do fator Lula.
Ao fim e ao cabo, a manifestação de domingo não explicita nenhum elemento novo na conjuntura, ainda que ela, em si mesma, seja um fator a ser levado em conta. Não é novidade que Bolsonaro ainda é forte (e por isso pode fazer manifestações como essa), mas também não deveria ser novidade para ninguém que o Bolsonarismo é uma força política em declínio (e por isso a manifestação não foi tão impressionante como as anteriores).
Esse declínio, no entanto, pode não ser definitivo. Não está escrito em lugar algum que será. A sociedade segue em disputa, a extrema-direita foi hegemônica por vários anos e essa hegemonia apenas começou a ser desconstruída. Mesmo que Bolsonaro seja preso, outras lideranças podem assumir sua herança, ainda que não tenham sua capacidade de mobilização de massas. Além disso, um eventual fracasso do governo Lula na economia (vale dizer, nos temas do crescimento, do emprego e da renda) terá como provável consequência uma nova ofensiva do fascismo.
Nas suas próximas movimentações, as forças de esquerda devem pautar suas ações pela seguinte questão: quais são as iniciativas que melhor permitem dialogar com os segmentos da sociedade que são disputados por nós e pelo fascismo? Esse é o ponto decisivo da luta política em nosso país, hoje. É ele que decide o futuro.
Este é um artigo de opinião pessoal e não necessariamente representa a posição do conjunto do Movimento Brasil Popular