
Durante o período eleitoral, protestos antifascistas levaram milhares às ruas em toda a Alemanha. Foto}: Reprodução/Twitter
Texto de Fabiano Sousa, militante do Movimento Brasil Popular
Ganhadores e perdedores
No último domingo de fevereiro ocorreram as tão esperadas eleições alemãs, antecipadas em alguns meses pelo agora ex-Chanceler Olaf Scholz, devido à uma crise em seu governo, apelidado de “Coalizão semáforo”: Vermelho – SPD (Social-Democratas), Verde -Grune (Os Verdes) e Amarelo (FDP -Liberais). A Coalizão ruiu devido a discordâncias de Scholz com o ministro das Finanças do FDP, Christian Lindner, sobre a condução da economia alemã: Com o último insistindo no fiscalismo neoliberal contra uma rota de mudança proposta do social-democrata de aumento dos gastos para combater a estagnação da economia alemã.
A campanha eleitoral foi marcada por um forte crescimento da extrema direita, representado pelo AFD (Alternativa para a Alemanha), que desde o final da Segunda Guerra Mundial não demonstrava tal força. Precisamente, eles igualam o partido nazista em 1930, quando se tornaram a segunda maior força política do país, antes de virarem, dois anos depois, o maior partido do país.
Aproveitando-se da estagnação econômica, aumento dos preços de energia e alugueis, o alvo da campanha da AFD se centrou na questão econômica e no ataque aos imigrantes (ilegais ou não) tendo como palavra de ordem o uso do termo “Reimigração” (reverter drasticamente a política da centrista de direita Angela Merkel que abriu o país aos refugiados sírios e de outros países há cerca de 10 anos atrás). O plano prevê a expulsão de imigrantes (mesmo com cidadania alemã) que não teriam se integrado aos “valores da sociedade alemã” (Hitler também usou de discurso similar no início dos anos 1930 contra os judeus no país).
A AFD venceu na antiga Alemanha Oriental/Socialista (ela venceu em quase todos os distritos desta parte da Alemanha, menos em Berlim). Uma explicação para isto é a não concretização da integração da parte leste ao todo da Alemanha, 35 anos depois da Reunificação. As promessas do capitalismo neoliberal dos Democratas Cristãos da CDU e da Social Democracia (SPD) nas mãos de Gerhard Schroder não chegaram para esta parte da população. Outro fator importante a se destacar é que a AFD se aproveitou do uso maciço e bem organizado das redes sociais (Tik Tok principalmente) e com declarado apoio de algumas das chamadas Big Techs (Elon Musk fez campanha direta para Alice Weidel).
Apesar de não ter conseguido o primeiro lugar ou a maioria das cadeiras (50% + 1 uma cadeira: Nunca, enquanto vigorou a democracia liberal na Alemanha, um partido sozinho conseguiu tal feito), uma das grandes vencedoras desta eleição é sem sombra de dúvidas a AFD, que duplicou sua votação em detrimento da diminuição de votos de outros concorrentes à direita: A CDU conseguiu o primeiro lugar, mas com uma votação menor, (28,5%) em muitos anos.
Por último, muitos podem se perguntar como Alice Weidel, uma lésbica, casada com uma imigrante do Sri Lanka, se tornou a líder da AFD e uma das figuras mais proeminentes da extrema direita mundial. Bem, não é só a ela, mas o discurso de que o imigrante islâmico que entrou na Alemanha é aquele que vai “impor seu modelo de vida patriarcal e lgbtfóbico” ganhou parte considerável de LGBT’s na Alemanha e na Europa à dentro, além de alguns afirmarem que já teriam seu direito à minoria respeitado e que, portanto, não precisariam se unir à causa de outras minorias oprimidas.
E os grandes perdedores deste pleito eleitoral foram naturalmente o SPD (Centro-esquerda) com sua pior votação em mais de um século, devido à grande impopularidade do governo de Olaf Sholz e do partido que foi considerado “o terceiro grande”, o FDP, que se quer atingiu a cláusula de barreira para entrar no Parlamento alemão. De nada adiantou os apelos de seu líder ao eleitorado de extrema direita, de acenos ao eleitorado de extrema direita.
E para completar temos a franca derrota do BSW (Bundnis Sahra Wagenknecht), um racha do partido Die Linke (“A Esquerda”) que pretendia substituir o Die Linke, como a alternativa de esquerda do eleitorado alemão, com aspectos e bandeiras defendidas pela extrema direita, como maior restrição à imigração, de ceticismo diante de políticas ambientais e de abandono das lutas em defesa dos direitos LGBTI+, bem, essa aposta não deu certo.
A grande surpresa mesmo deste pleito eleitoral foi a ressureição da “A Esquerda” (Die Linke) dobrando sua votação anterior, voltando ao parlamento alemão e vencendo as eleições na capital alemã, Berlim, a cidade mais populosa do país, foi um trunfo sem dúvida. “A Esquerda” demonstrou-se eficaz nas redes sociais, associado ao carisma de sua jovem líder, Heidi Reichinnek, de 36 anos apenas. As grandes manifestações antifascistas dos últimos dias também catapultaram o partido. Falaremos mais a respeito deste partido mais à frente.
O que esperar do futuro político da Alemanha agora?
Inicialmente, acreditamos que será relativamente fácil uma aliança entre os dois grandes partidos do establishment alemão (CDU/CSU e o SPD) para a formação de uma coalizão, mas não duvidamos da presença dos Verdes, que também já realizaram tal coalizão no passado recente. Mas duvidamos que esta coalizão tenha muito futuro, devido às contradições econômicas que levaram justamente a acontecer estas eleições agora (mais gastos propostos pelo SPD versus austeridade fiscal dos Liberais).
Friedrich Merz é um “agente do mercado” (ex-CEO da Black Rock na Alemanha, maior grupo de investimentos no mercado financeiro do mundo) e apesar de sua campanha ter sido vaga quanto a adoção de políticas neoliberais, a possibilidade da implementação de medidas neste sentido é bem provável. Ataques ao “seguro desemprego” de lá, e “incentivos” para que pessoas em idade de aposentadoria continuem a trabalhar, são apontados como as primeiras medidas econômicas do governo.
Mas são suas falas políticas em campanha e logo após o resultado eleitoral que tem mais se destacado: De mostrar “certa independência” diante de um EUA sob o Governo Trump, falando da possibilidade até de uma “OTAN sem os EUA”. Merz mantém também um discurso de pró-continuidade da guerra da Ucrânia, que tem se tornado cada vez mais impopular na Alemanha. Seu discurso é não só pró-União Europeia, mas de tentativa de liderança da região, passando recados neste sentido, num momento de incertezas no mundo. Será que ele conseguirá?
Quanto à AFD, ela provavelmente será isolada no Parlamento alemão pelo Brandmauer (“Cordão Sanitário”) que é um acordo tácito entre os partidos majoritários alemães para que partidos que são vistos como ameaça à democracia liberal alemã não componham um governo ou que caso vença um pleito eleitoral com uma necessária aliança para compor maioria no parlamento, este não consiga formar uma coalizão para governar. Apesar de Merz ter dito de forma enfática que “uma aliança com a AFD nunca acontecerá”, o mesmo já compôs recentemente com a AFD para tentar aprovar uma legislação mais rígida à imigração, ele chegou a ser advertido por Angela Merkel, causando grande comoção na sociedade civil alemã.
As lições das eleições alemãs
Uma importante lição destas eleições alemãs é que a extrema direita mundial continua crescendo e demonstrando que se enraizou em parcelas importantes das sociedades ocidentais, voltou a Casa Branca, agora ainda com mais força, e neste momento no Brasil, apesar do indiciamento de Bolsonaro pela tentativa de golpe em 8 de janeiro, ela é que tem pautado a linha política, onde tem ganhado o debate nas redes sociais, com o uso de fake news ( a exemplo da “taxa do pix”) ou se aproveitado das dificuldades do governo na persistente inflação dos alimentos (carne, café e agora até ovos) e também dos combustíveis.
Foi se aproveitando das dificuldades econômicas do governo de centro-esquerda liderado pelo SPD que em parte, a extrema direita voltou e com bastante força na Alemanha, além de se aproveitar de questões históricas como o caso relacionado ao “abandono” do leste do país pelos partidos tradicionais. E é claro que o “problema” principal da Alemanha não é a imigração. A população em idade de trabalho tem diminuindo consideravelmente ao longo dos anos, estima-se que a Alemanha precisa de cerca de 400 mil imigrantes por ano para não haver um “apagão” de mão de obra e em 2036, 30% dos atuais trabalhadores se aposentarão. Mas o aumento de ataques terroristas nos últimos meses, o já forte preconceito racial contra imigrantes, em especial os de religião mulçumana oriundos do oriente médio, e agora com apropriação da internet pela extrema direita tem surtido bastante efeito em favor desta última, usando os imigrantes como “bode expiatório”.
Por fim, essa apropriação da internet, não veio sem uma resposta dos setores de esquerda, o Die Linke (A Esquerda) é hoje o partido mais popular entre os jovens de 18 a 24 anos. Há uma questão conjuntural nisso: A tentativa de Merz de conseguir apoio da AFD para aprovação de uma legislação mais restritiva à imigração levou à uma forte onda de protestos anti fascistas, muitas delas convocadas pelo Die Linke no TikTok, Mas também temos o uso bem planejado desta mesma internet e cada vez mais antenado com os dilemas da juventude alemã: A luta por melhores salários e maior controle sobre os preços dos aluguéis (considerado um dos grandes problemas do país, em especial em Berlim). O uso de memes à paródias de Taylor Swift, tem popularizado o partido entre a juventude e mostra que é possível às esquerdas duelarem “de igual para igual” na internet com a extrema direita, criando canais de interação com os jovens, escutando suas demandas e até conseguindo às vezes pautar certos debates na sociedade.