Nós, do Movimento Brasil Popular, defendemos um princípio basilar: a autodeterminação dos povos e seu direito legítimo à luta e à resistência contra a opressão colonialista / Vanessa Nicolav/BdF
Foi o povo judeu que fez a Palestina,
foi a Palestina que fez o povo judeu,
não há outro povo no mundo que tenha feito a Palestina,
Nenhum outro povo no mundo foi feito pela Palestina
(Ben Gurion, líder da independência de Israel, 1° de maio de 1946)
Eu sou um rebelde
e a liberdade é a minha causa.
Muitos de vocês hoje aqui já estiveram
na mesma situação em que estou.
A situação de resistência em que estou
e onde tenho de lutar.
Vocês também tiveram de lutar
para realizar seus sonhos.
Agora devem compartilhar de minhas esperanças.
Hoje vim trazendo um ramo de oliveira e um revólver.
Mas não deixe o ramo de oliveira cair de minha mão
Não deixe o ramo de oliveira cair de minha mão
Não deixe o ramo de oliveira cair de minha mão
(Yasser Arafat, discurso a Assembleia Geral da ONU, 1974)
Nestes últimos dias, fomos surpreendidos pelos ataques a algumas cidades de Israel, incluindo a disputada Jerusalém, realizados pelo grupo islâmico palestino Hamas (Movimento de Resistência Islâmico). Os ataques se deram por terra, mar e ar, deixando as forças armadas israelenses atônitas e incrédulas, diante da ofensiva fulminante de drones improvisados, avanços rápidos de tropas do braço armado do Hamas, deixando para trás tanques Merkava’s em chamas e levando civis e altos oficiais como reféns para o território palestino da Faixa de Gaza.
O intuito de manter altos oficiais israelenses como prisioneiros é se resguardar diante da violenta resposta, anunciada poucas horas depois pelo primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, de bombardeio maciço à Faixa de Gaza. Inclusive, ao que já se sabe, usando armas químicas proibidas pelo acordo de Genebra, como bombas de fósforo branco. Mas, como tudo isso começou? Qual é o papel da esquerda brasileira diante desse conflito?
Um pequeno histórico deste trágico conflito
Para melhor compreendermos este complexo e intricado conflito, devemos recuar pelo menos até o fim do século XIX, quando o húngaro-judeu Theodor Herzl, consegue junto a outros aliados a realização de um congresso em 1897, lançando as bases fundamentais do que chamamos de Sionismo.
Esse movimento político defende a ideia da existência de um Estado Nacional Judeu, preferencialmente na área descrita nos textos bíblicos como “Reino de Israel”. O lema do movimento era “uma terra sem povo para um povo sem terra”. O problema já começa justamente aqui. Porque neste território (Palestina), habitava um povo há algumas centenas de anos, de origem árabe, mas com sua própria cultura e história em comum, costumeiramente chamados de palestinos que viviam sob o domínio do Império Turco-otomano à época.
A negação da existência do povo palestino é uma das “máximas” deste movimento que, diga-se de passagem, não é unanimidade entre o povo judeu.
Após a Primeira Guerra Mundial, o território que compreende o atual Oriente Médio foi dividido entre franceses e ingleses, sendo que coube aos últimos a “guarda” sobre a Palestina.
O movimento sionista ganha forte apoio de burgueses judeus europeus e norte-americanos que começam a comprar vastas terras na Palestina, gerando incômodos e mesmo revoltas contra a cada vez maior presença de judeus na região.
Após o Holocausto provocado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, criou-se uma ampla opinião pública favorável a um Estado Nacional para os judeus.
Foi criada uma comissão da ONU para a partilha da Palestina e a formação de dois Estados nacionais: Um para os judeus e outro para os árabes-palestinos. Quando o estudo é finalizado e aprovado em 1947, as terras mais férteis e próximas às parcas fontes de água e o território que serviria para a formação de Israel eram quase semelhantes.
Feito não só à revelia como sob forte oposição dos palestinos, como também dos países árabes vizinhos, foi declarada a independência de Israel em 1948, sob a liderança política e militar de Ben Gurion.
Um mês antes, acontece um massacre no qual dois grupos sionistas de extrema direita, o Irgun Zvai Leumi e o Stern matam homens, mulheres e crianças do vilarejo palestino de Deir Yassin. Os números vão de 120 a 250 civis inocentes.
É muito importante falar desse fato, por dois motivos: 1) Esse massacre se torna mais que um símbolo, se torna um exemplo e um” modus operandi” adotado, não por um grupo político específico, mas pelo Estado. Essa será a maneira como Israel irá aterrorizar a população palestina pelos próximos 75 anos. 2) Dos dois grupos terroristas, se projetaram políticos proeminentes da direita israelense, como Yitzhak Shemir e Menachem Begin, primeiros-ministros de Israel nos 1970 e 80 e que fundaram o partido Likud, o mais importante do país hoje, do qual faz parte o atual primeiro-ministro Nentanyahu.
Após a declaração de independência, se iniciou a chamada primeira guerra árabe-israelense, seguidas de mais três (Guerra de Suez: 1956; Guerra dos Seis Dias: 1967 e Guerra do Yom Kippur: 1973). Em cada grande embate, mais territórios foram ocupados por Israel.
Em 1967, após a Guerra dos Seis Dias citada acima, a ONU, por meio da Resolução 237, demandou que os territórios que compreendem a atual Cisjordânia e a Faixa de Gaza fossem devolvidos aos palestinos, para que eles pudessem formar seu Estado Nacional, ato amplamente desrespeitado pelo Estado de Israel até os dias atuais.
Também é nesse momento que nascem ou que ganham força os movimentos armados nacionalistas e/ou de esquerda palestinos, como o Al Fatah, fundado pelo engenheiro Yasser Arafat em 1958 e que ganha hegemonia entre os grupos político-militares palestinos, e a Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP), fundada pelo médico George Habash, de orientação marxista e revolucionária. Conclamando o povo palestino, disperso em diversos países ou em acampamentos nos territórios ocupados, à resistência, diante do processo colonizador cada vez mais voraz de Israel.
Neste contexto de guerra fria, os grupos palestinos tiveram amplo apoio do campo socialista liderado pela União Soviética e pelos movimentos de libertação nacionais e anti-imperialistas.
Já Israel, passou a ter forte apoio dos EUA sob a pressão de grupos sionistas radicados neste país. Acredita-se que, até o início do século XXI, a ajuda dos EUA à Israel ficou na casa dos bilhões de dólares anuais. Israel se torna um importante aliado dos norte-americanos na região. Vale destacar que o país se localiza numa região mais que estratégica e é elo de ligação entre África, Ásia e Europa (através do mar mediterrâneo).
Décadas se passam e a colonização de Israel sobre territórios palestinos só aumenta, fazendo eclodir em 1987, a primeira Intifada, rebelião popular espontânea contra a situação de descalabro e verdadeiro apartheid que sofre a população palestina. Pedras (palestinas) versus Uzis (israelenses). Quem é “Davi” e quem é “Golias” neste conflito? É neste contexto que, influenciados pelo impacto causado pela revolução islâmica no Irã, em 1979, surge a Jihad Islâmica e o já citado Hamas. Nesse momento, esses grupos defendem um Estado único, onde este último, em sua carta de princípios defende “o profeta é o nosso modelo, o corão é a nossa constituição.”
Mas é o Fatah, que lidera a famosa frente, Organização para a Libertação da Palestina (OLP), fundada em 1964, que consegue junto a líderes mais moderados israelenses, como Yitzhak Rabin, um acordo (Oslo, 1993) que garante um governo provisório: a Autoridade Nacional Palestina (ANP). E dá a chance de criação de um futuro Estado Palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, em troca do reconhecimento do Estado de Israel e a solução de dois Estados. Mas, o acordo não prossegue, resultando no crescimento do radicalismo em Israel, com o assassinato de Yitzhak Rabin, em 1995, por grupos extremistas de direita israelenses e na Segunda Intifada nos territórios palestinos no ano 2000.
Desde o início do século XXI, os ideais extremistas em ambos os lados crescem, há o quase extermínio da centro-esquerda ou partidos progressistas em Israel e uma quase guerra civil entre o Fatah e o Hamas, em 2006, tornando para muitos, quase impossível um acordo, que para nós, só tem uma solução: a implementação (mesmo que a longuíssimo prazo) da Resolução 237 da ONU de 1967, citado acima.
Uma solução impossível? A busca incessante inabalável da esquerda em busca da paz
Atualmente, encontramos o que sobrou dos territórios controlados pelos palestinos em uma infeliz divisão: com o que restou da Cisjordânia sob o controle da ANP/OLP e a Faixa de Gaza sob o controle do Hamas, que teria revisto, em parte, a solução de um Estado único e religioso (islâmico), nos anos 2000 e 2010, e que para muitos jovens, encarna a resistência mais tenaz ao colonialismo israelense. O Hamas, apesar de adotar o islamismo sunita, tem ganhado apoio de grupos xiitas como o grupo libanês Hezbollah e do próprio Irã que, segundo alguns analistas de esquerda e da mídia comercial, teria dado apoio logístico para que esse último ataque à Israel acontecesse.
Vale destacar a situação de penúria em que os palestinos que habitam a Faixa de Gaza vivem. Uma situação muito similar ao que os judeus sofreram na Europa durante a Segunda Guerra Mundial. Aprisionados num verdadeiro Gueto de 1,8 milhões de habitantes, sob bloqueio militar desde o final dos anos 2000, com muros de 8 metros de altura e torres de vigilância a cada 300 metros.
Após 2007, apenas 10% dos habitantes da Faixa de Gaza que trabalhavam em Israel continuaram a ter permissão para trabalhar lá, em contratos de trabalho bastante precários. Esse fato levou mais da metade dos habitantes da Faixa de Gaza à pobreza e provocou um desemprego em torno de 50%. Seus cidadãos estão praticamente aprisionados, vivendo em situação lastimável, amplamente denunciada por grupos internacionais de Direitos Humanos e pela própria ONU, que têm o consenso de que a região vive em grave crise humanitária.
Isso tornou a região mais do que propícia para o fortalecimento do Hamas entre a população local, em especial os jovens. Sendo o último um grupo armado que usa de terrorismo, mas que não é minoritário, ou uma “seita” qualquer, pelo contrário, é um grupo insurgente e de massas.
Ainda assim, nem por isso deve ser o nosso aliado preferencial, visto a utilização de métodos que atingem também civis de forma indiscriminada.
Atualmente, na Palestina existem grupos de libertação nacional que se guiam pela ideia de igualdade social e de direitos humanos fundamentais, diferentemente do Hamas, que se guia pela ideia da assistência social, de caráter religioso (um dos princípios fundamentais e razões de existir do Hamas) e que prega o Corão (livro sagrado dos mulçumanos).
Israel hoje é um país fortemente dividido ao meio: entre os que apoiam e se opõe ao governo de Benjamin Netanyahu (conhecido em Israel pelo apelido de “Bibi”), que forma um governo de coalizão de extrema-direita e partidos fundamentalistas judaicos, que aprovaram uma reforma autoritária do judiciário, que lança a frágil democracia israelense (que funcionava relativamente bem, apenas para os seus cidadãos não-arábes) em uma grande incerteza. O Haaretz, jornal mais influente do país, fez um duro editorial no último domingo (08 de outubro), acusando “Bibi” como o principal culpado pelo que aconteceu ao país nos últimos dias. Além disso, o líder israelense acreditava que conseguiria um grande acordo com a Arábia Saudita pelo reconhecimento de Israel, mas os imediatos bombardeios deste último contra a Faixa de Gaza (até agora mais de 5000 prédios teriam sido atingidos) levou os sauditas a um provável recuo, onde estes últimos responsabilizaram Israel pelo acontecido.
O que nós da esquerda popular e democrática defendemos?
Apesar da grave situação na região, onde temos um conflito que parece não ter fim, é que torna a busca por uma solução desse conflito, quase secular, em uma das mais importantes tarefas para serem realizadas pela comunidade internacional e, diante disso, nós, do Movimento Brasil Popular, defendemos um princípio basilar: a autodeterminação dos povos e seu direito legítimo à luta e à resistência contra a opressão colonialista. Orientados por este princípio, caro à esquerda mundial, teceremos alguns comentários.
Em primeiro lugar, é necessário lamentar e condenar a morte de civis inocentes. A violência indiscriminada não acrescenta à luta do povo palestino. Mas, deixamos claro que isso em nada deve diminuir nossa solidariedade irrestrita ao povo palestino, primeiro pela sua sobrevivência e depois pelo seu direito a constituir seu Estado-nação soberano e livre de qualquer bloqueio ou ação militar de Israel ou de quem quer que seja.
Também é necessário denunciar e condenar amplamente as ações de Israel, que usa amplamente do terrorismo de Estado, com bombardeios indiscriminados que atingem áreas residenciais, escolas e hospitais, matando ou mutilando crianças, mulheres e idosos. Que sistematicamente desrespeita os direitos humanos do povo palestino, utilizando-se de um sistema similar ao apartheid sul-africano, em que os palestinos “saindo de suas cidades-gueto” tem que passar horas as vezes, para passar pelos “check-points”, que dividem os dois lados, para poder trabalhar em Israel, ganhando 3 vezes menos que um cidadão comum israelense, que se preso não é julgado por um tribunal civil, mas sim militar e os árabes-israelenses que vivem em Israel são tratados como cidadãos de segunda classe e são sistematicamente discriminados pelas autoridades israelenses.
A solução dos dois Estados, apesar de distante do horizonte atual, é a melhor opção para a resolução da chamada “Questão Palestina”. Apesar das críticas que possamos fazer a Mahmoud Habbas, líder da OLP e presidente da ANP, que não consegue, ou por incompetência ou por “enrolação”, convocar eleições que contribuiriam para uma maior unidade dos palestinos, é necessário defender a solução dos dois Estados. Aos que defendem a dissolução de Israel para constituir um único Estado árabe “Do mar ao Rio Jordão”, nos parece essa ideia, que é rejeitada pelas organizações palestinas mais influentes, seja parcialmente (Hamas) ou totalmente (Al Fatah/OLP), fadada ao fracasso e impraticável à curto, médio e longo prazo.
Por fim, nós do Movimento Brasil Popular nos solidarizamos e nos somamos a luta do bravo povo palestino.
FORA SIONISMO! ABAIXO O COLONIALISMO DE ISRAEL!
VIVA A LUTA DO POVO PALESTINO!
PALESTINA LIVRE: VENCEREMOS!
Texto escrito por Fabiano Sousa, militante do Movimento Brasil Popular no Ceará
Caro Fabiano, obrigada pelo lúcido e bem pontuado texto.