Organização popular é a chave para combater a fome no Brasil

ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL | 16 de Outubro é o Dia Mundial da Alimentação e da Soberania Alimentar

Organização nas periferias dos centros urbanos tem impulsionado o combate à fome na prática / Foto: Vinícius Braga

Neste 16 de outubro se celebra o Dia Mundial da Alimentação e da Soberania Alimentar, uma data de luta para a promoção do acesso universal a alimentos de qualidade. No atual momento do Brasil, é impossível discutir o direito à alimentação saudável sem abordar a dura realidade da fome e da insegurança alimentar que só entre 2020 e 2022 atingiu 70 milhões de brasileiros e brasileiras.

Se no Brasil, que tem 41% de terras agricultáveis, segundo o Censo Agropecuário, mais da metade da população brasileira convive com a insegurança alimentar (ONU), o tema da soberania alimentar precisa ser pautado de forma ampla, debatendo desde o acesso à terra, até as questões relacionadas à renda das famílias que vivem dia a dia na luta para garantir alimento na mesa. Por isso pautar a necessidade de que o Brasil seja um país soberano, ou seja, tenha condições de produzir e estocar alimento saudável para que toda a população tenha o direito de se alimentar com alimentos produzidos em um modelo social e ambientalmente justo, sem veneno, transgênicos e que considere a cultura alimentar e os contextos de cada local.

A situação emergente da fome no Brasil, que aumentou justo na combinação dos anos de governo Bolsonaro com a chegada da covid-19 no país, foi um momento onde as organizações populares voltaram o seu trabalho para as ações de solidariedade, garantindo alimento, água e educação em saúde nas periferias dos grandes centros urbanos. Com o fim da emergência sanitária, as ações tomaram outros contornos e os movimentos se mantiveram nas periferias, agora organizados através de ações práticas, como os bancos de alimentos, cozinhas solidárias e com a formação de agentes populares. 

Monique Brasil, do Movimento Brasil Popular em São Paulo, atua nas comunidades de São Savério e Boqueirão, comunidades da capital paulista. Ela avalia que o trabalho das cozinhas populares organizadas pelo movimento junto com a população local é uma ferramenta concreta e que tem um impacto positivo para além do alimento. “O que realmente incide nessa luta é a formação sobre a questão da fome. Porque a partir da formação, as nossas ações de solidariedade deixam de ser ações pontuais para que nós possamos construir, nesses territórios, ações a longo prazo. Para as comunidades, é um momento de confraternização quando a gente compartilha o alimento e distribui. Isso também prepara a nossa base nos territórios para que eles tenham capacidade de se organizar com autonomia”, explica.

Contudo, o desafio de combater a fome fica mais complexo em São Paulo. Monique explica que no estado, um entrave para o acesso à alimentação saudável é o acesso à água, que pode piorar com a possibilidade de privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP). Por isso, o Movimento Brasil Popular, junto do Movimento Sem Terra, o Movimento Urbano de Agroecologia de São Paulo, a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e o Banquetaço lançaram um manifesto apontando a necessidade de aliar a luta contra a fome com a luta contra a medida do governo de Tarcísio Freitas que quer privatizar sistema de saneamento, que pode trazer um impacto direto para a saúde e para o direito à alimentação, já que sem água potável, é impossível falar em alimentação saudável.

No Ceará, o Movimento Brasil Popular também tem impulsionado desde 2020 iniciativas de combate à fome nas periferias da capital Fortaleza a partir das cozinhas populares. Três anos depois, a demanda e o desafio de alimentar o povo conduziu a organização para a implantação de cozinhas no Pici, Bela Vista, Jardim Iracema, Serrinha e outros bairros, chegando a atuar em cerca de 15 bairros da cidade. 

Isso só tem sido possível através da combinação da luta popular, organizada pelas comunidades através das cozinhas, mutirões e ações no bairro, mas também da cobrança dos órgão públicos para que promovam políticas públicas voltadas para a área. Uma dessas conquistas é o programa Ceará Sem Fome, que distribuiu cerca de 50 mil cartões no valor de R$ 300,00 e também impulsionou o funcionamento de mil cozinhas solidárias, que devem atingir cerca de 100 mil pessoas de todo o estado. 

Uma das cozinhas organizadas pelo Movimento Brasil Popular que agora recebe o apoio do Ceará Sem Fome é a Cozinha Popular da Bela Vista. Bruna Raquel, do Movimento Brasil Popular no Ceará, relembra o surgimento da iniciativa: “Essa foi uma das primeiras cozinhas populares do estado do Ceará. A gente começou aqui no mês de maio de 2021, onde o desemprego e a fome estavam no seio da sociedade. Nós começamos a partir da solidariedade do MST, do Levante Popular da Juventude e hoje colhemos os frutos das políticas públicas. Os governos Lula e Elmano têm um compromisso na superação da fome e aqui a gente está realizando a concretude disso”, afirma. O Ceará sem Fome deve ser executado até 2024 e com R$230 milhões em ações de combate à insegurança alimentar e nutricional dos cearenses. 

O exemplo do Ceará é uma prova da necessidade de aliar a organização popular e a luta institucional para garantir que o combate a fome seja uma prioridade. No âmbito da luta parlamentar, Missias do MST (PT), deputado estadual do Ceará e militante do MST e do Movimento Brasil Popular, tem atuado a partir de diversas frentes para que os alimentos da agricultura familiar cheguem até a cidade. “No Legislativo, apresentamos um projeto para a criação do Selo Empresa Amiga da Agricultura Familiar e outro que propõe a distribuição de microtratores e implementos agrícolas para o aprimoramento das políticas de incentivo à agricultura familiar no estado do Ceará”, explica Missias, que pontua que as ações tem o objetivo de possibilitar que os agricultores e agricultoras modernizem seus modos de produção sem deixar as bases agroecológicas e os saberes populares.

No Ceará, Movimento Brasil Popular impulsiona cozinhas populares em em diversos bairros da capital / Foto: Reprodução

Em Pernambuco, Rosa Amorim (PT), deputada estadual e militante do MST e do Movimento Brasil Popular tem pautado ações voltadas ao impulsionamento da agricultura familiar. Uma delas, aprovada recentemente pela assembleia legislativa, foi a obrigatoriedade de destinar 50% do recursos do Programa Estadual de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PEAAF), uma espécie de PAA estadual, para as mulheres agricultoras. A deputada também é responsável pela instalação da Frente Parlamentar de Combate à Fome e Insegurança Alimentar e Nutricional, que deve atuar por dois anos sistematizando e elaborando “ações contínuas e efetivas, através de ações universais e que ataquem as causas efetivas da insegurança alimentar e da fome, na sua forma mais grave”, pontua Rosa.

No âmbito federal, o governo federal anunciou hoje, segunda-feira (16), mais recursos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que foi relançado em março deste ano. Gerido pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o programa deve firmar contratos com cinco organizações da agricultura familiar, beneficiando 94 famílias fornecedoras. A expectativa é que o governo também destine apoio às Cozinhas Solidárias por meio de um Termo de Compromisso entre o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e a Fundação Banco do Brasil.

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