Depois de 30 anos de discussão e luta dos movimentos populares, o Congresso Nacional deu um passo histórico nesta quarta-feira (20): promulgou a Reforma Tributária sobre o consumo. Agora, os próximos passos e a atenção devem se voltar para o desenvolvimento dos projetos de lei complementares, processo que acontecerá em 2024 e regulamentará os pontos da emenda constitucional, que é a segunda etapa da reforma. Nela, os parlamentares apontarão as mudanças na cobrança e no pagamento do Imposto de Renda.
Com a decisão de ontem, a emenda constitucional simplifica e unifica os tributos sobre o consumo de forma gradual, ou seja, as mudanças ocorrerão aos poucos e é preciso que os movimentos populares sigam pressionado para que elas aconteçam e de fato apontem alterações que melhorem a vida do povo brasileiro. Por hora, a principal alteração é a extinção de quatro tributos, que serão fundidos no Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Esse tributo seguirá o modelo dual, em que parte da administração ficará com a União e outra parte com os estados e municípios.
Dentro desse bojo, já existem algumas medidas apontadas para serem aplicadas progressivamente, como a nova tributação das mercadorias e dos serviços, que entrará em vigor a partir de 2026, em um processo que se estenderá até 2033. Já a transição para a cobrança do imposto no destino – local de consumo -,iniciará em 2029 e levará 50 anos para chegar ao fim das mudanças. Para falar sobre como era o antigo sistema tributário brasileiro, sobre as mudanças e qual a Reforma Tributária necessária ao povo brasileiro, conversamos com Iriana Cadó, que é economista, integra a Diretoria Financeira da Conab. e também é militante do Movimento Brasil Popular.
Leia a entrevista completa:
MBP: Como estava estruturado o antigo sistema tributário brasileiro e quais eram as principais limitações identificadas nele?
Iriana: O antigo sistema tributário estava estruturado por dois tipos de impostos: os Impostos Diretos e os Impostos Indiretos. Os impostos diretos correspondiam àqueles incidentes sobre o montante da renda do contribuinte, que atualmente no Brasil só é efetuado pela via do imposto de renda. Já os impostos indiretos, incidiam sobre o consumo de bens e serviços pelas pessoas, ou seja, tributos que estão embutidos nos valores pagos pela aquisição de determinado produto ou serviços. O maior problema dele era que mais de 50% de toda arrecadação tributária incorriam sobre os impostos indiretos, ou seja, sobre o consumo das famílias.
MBP: Já que não levava em conta as diferenças das condições econômicas entre ricos e pobres, podemos considerar então que o antigo sistema era responsável pela manutenção das desigualdades sociais?
Iriana: Esse modelo de sistema tributário colocava o Brasil fora do preceito fundamental da igualdade, uma vez que uma pessoa que ganha um salário mínimo paga em algum item o mesmo tributo que outra que ganha 50 salários mínimos. O impacto na renda dos mais pobres é profundamente maior. Por outro lado, o Brasil é um dos poucos países no mundo que ainda mantém grande parcela da renda isenta de tributação. Hoje, no Brasil não se paga nenhum imposto sobre dividendos, juros sobre capital próprio e herança. Além disso, no imposto de renda quem ganha 5 mil paga a mesma alíquota de quem ganha cem mil, um milhão, um bilhão.
MBP: Promulgada a Reforma Tributária, o que deve acontecer para corresponder às necessidades do povo brasileiro?
Iriana: Uma Reforma Tributária deve levar em consideração a brutal concentração de renda a qual repousa nosso país, fazendo com que nosso sistema tributário cumpra uma função de justiça social. Nesse sentido, colocando os milionários no orçamento pelo lado da tributação. Ou seja, que nossa arrecadação incida majoritariamente sobre riquezas, assim, conformando um mecanismo de distribuição de renda, pois a tributação tem papel fundamental na promoção e na garantia de políticas públicas e serviços essenciais para a promoção da dignidade humana. Nesse sentido, uma reforma tributária deve essencialmente passar por uma revisão das alíquotas do IR, a inclusão de impostos sobre grandes fortunas e a minimização do peso da tributação sobre bens e serviços.
MBP: Por que houve tanta resistência das classes dominantes para que a Reforma fosse promulgada?
Iriana: A Reforma deve desonerar aqueles que têm as menores rendas e colocar os milionários nesta conta. Afirmar isso é ter como pressuposto que nosso problema não é a carga tributária em si, ou seja, o percentual que os impostos representam no nosso orçamento, porque temos inclusive uma carga tributária inferior aos países da OCDE. Na verdade, nosso desafio é a forma como é composta essa carga. Ver a resistência das classes dominantes para se discutir uma tributação mais progressiva e que incida sobre a renda demonstra o quanto essa discussão é um reflexo da luta de classes. Sobremaneira, para a classe trabalhadora inverter a ordem dessa ferramenta significa construir justiça social.
MBP: Promulgada a Reforma Tributária: o que muda na vida do povo brasileiro?
Iriana: A aprovação de uma reforma tributária que essencialmente cumpra sua função de promover justiça social, passando a taxar grandes fortunas e desonerar a classe trabalhadora, permitirá mais renda disponível aos trabalhadores, ao mesmo tempo, a manutenção de políticas públicas essenciais que devem ser garantidas gratuitamente pelo Estado. Ou seja, pagará a conta quem efetivamente possuir grandes fortunas, sendo isso transferido em forma de serviços públicos para o conjunto da população brasileira.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos