A fome voltou a assolar os lares brasileiros nos últimos anos, o relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), recém lançado, revela que 70,3 milhões de pessoas estiveram em estado de insegurança alimentar moderada em 2022, que é quando possuem dificuldade para se alimentar. Além disso, o mesmo levantamento aponta que 21,1 milhões de brasileiros estavam em insegurança alimentar grave, que diz respeito ao estado de fome. Outros dados mais detalhados também revelam a face cruel do racismo: os brasileiros que figuram nas tristes cifras de insegurança alimentar moderada e grave são as mulheres negras, as mais afetadas por essa chaga.
Com isso, diversos setores da esquerda brasileira apontaram que, entre 25 de novembro e 25 de dezembro, construiriam a Jornada Nacional de Solidariedade Contra a Pobreza e a Fome em todo país. Como parte da jornada, as organizações estão realizando ações de solidariedade nos territórios onde atuam, ações que são essenciais e devem ser replicadas e incentivadas no seio de todas as organizações progressistas e de esquerda. Entretanto, estas possuem um limite muito claro: o volume necessário para conseguirmos acabar de fato com a fome em nosso país exige a ação do Estado na execução de políticas públicas. Portanto, a jornada possui como bandeira de luta a necessidade de pressionarmos pela celeridade da articulação e execução de políticas de combate à pobreza e a fome em todo território nacional.
É verdade que o governo Bolsonaro conseguiu, em quatro anos, desarticular e esvaziar muitas dessas políticas públicas. E, como toda boa burocracia: é mais fácil destruir do que reconstruir. Ocorre que há sinalizações muito ruins por parte do Governo Federal quanto à rearticulação dessas políticas públicas, que são fundamentais para alcançarmos o objetivo a que o próprio governo se impôs: acabar com a fome no Brasil.
Entre essas políticas há o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) que, em reportagem recente do site O Joio e o Trigo, expõe a incapacidade de execução do programa na demanda apresentada pela atual sociedade. O motivo é evidente: falta orçamento! Dentre os problemas citados, não estão apenas os recursos para contratação de projetos, mas recursos para estruturação da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) com contratação de servidores, reforma e aquisição de galpões e melhorias no sistema burocrático de acesso dos produtores à política. Tudo isso passa, evidentemente, pela garantia de recursos públicos.
Outra política fundamental é a volta do Bolsa Família, turbinado nos valores e rearticulando as contrapartidas necessárias das famílias. Mas, mais uma vez, passamos por um problema orçamentário: o acesso ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) para atualização do CadÚnico costuma colocar milhares de famílias em situação de vulnerabilidade por meses, ainda que neste caso ele seja de responsabilidade direta do município e não do Governo Federal. Para este problema, propostas interessantes surgiram no seio do movimento popular, inclusive apresentadas ao próprio presidente Lula. Um destas foi a proposta da vereadora de São Paulo, Luna Zarattini, que sugeriu que o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome promovesse mutirões Brasil afora de atualização do CadÚnico a fim de acelerar o acesso das famílias à política pública; assim evitaria os contratempos e, às vezes, boicote por parte das prefeituras municipais. Isso nunca foi feito! Igualmente, não se falou em 2023 sobre abono natalino ou até mesmo pagamento de décimo terceiro do programa, o que escandalosamente ocorreu no governo Bolsonaro e não ocorrerá no terceiro governo Lula. Tudo isso passa, necessariamente, pelo orçamento e garantia de recursos financeiros.
Lutar contra a pobreza e a fome não será possível sem a garantia de que, em 2024, o orçamento dos ministérios responsáveis terão crescimento compatível com a demanda apresentada pelas políticas públicas. É por isso que urge a necessidade de uma disputa do orçamento pelas forças progressistas e de esquerda deste país. Do lado de lá, a burguesia e seus representantes políticos têm pressionado cada vez mais por uma fatia mais e mais expressiva do orçamento; além do crescimento da ingerência dos deputados na execução orçamentária, com emendas impositivas num montante equivalente a R$37,5 bilhões.
É urgente e necessário que as organizações políticas deste país encampem uma agenda clara de exigências, especialmente na garantia de orçamento robusto para políticas públicas contra a fome e a pobreza. O próprio presidente Lula já disse que não precisa de “puxa-sacos” do governo, mas que o povo pressione e organize a luta; a direita tem pressionado do lado de lá. É necessário reafirmar e compreender que ganhar o governo não é suficiente, devemos sair da retórica e vir para a prática, afinal: ou pressionamos ou perderemos.
Este é um artigo de opinião pessoal e não necessariamente representa a posição do conjunto do Movimento Brasil Popular
Edição: Emilly Firmino