Somente a entrada em cena da classe trabalhadora pode alterar a correlação de forças a favor dos interesses do povo brasileiro. Foto: Junior Lima
O cenário da luta de classes no mundo continua determinado pela crise sistêmica do modo de produção capitalista, manifestada na crise do padrão de acumulação neoliberal e na crise de hegemonia do imperialismo estadunidense. Internacionalmente, apesar do crescimento das lutas anti-imperialistas, da retomada de governos progressistas na América Latina e do fortalecimento do multilateralismo, vivenciamos ainda um contexto reacionário. Esse contexto é caracterizado pela ausência de um novo padrão de acumulação, que retome o crescimento econômico, a estabilidade e a legitimidade política no mundo.
Diante das dificuldades do modo de produção capitalista em combinar altas taxas de lucro com o bem-estar social da população, como ocorreu no pós-Segunda Guerra Mundial, temos testemunhado a reprodução da barbárie. Esta se manifesta na intensificação da crise ambiental, com eventos extremos cada vez mais frequentes; no aumento dos conflitos militares, como o genocídio do povo palestino em Gaza; e no crescimento da desigualdade social, da xenofobia e do racismo e no mundo.
A atual crise do neoliberalismo tem fortalecido as forças neofascistas e de extrema-direita. Diante das incertezas e do mal-estar gerado pela crise do capitalismo contemporâneo, as forças reacionárias têm se fortalecido na defesa de valores autoritários e ultraconservadores, expondo os limites da democracia liberal. Internacionalmente, vivenciamos o que Álvaro García Linera chama de “tempo liminar”, um período de interregno na luta de classes, no qual diversas alternativas à esquerda e à direita tentam resolver o atual impasse da crise internacional do capitalismo.
No Brasil, a vitória política e eleitoral de Lula em 2022 abriu uma situação de transição na correlação de forças na sociedade brasileira. Embora não tenha ocorrido uma alteração significativa na correlação de forças e o quadro geral ainda seja de defensiva, com a conquista do governo federal abriu-se um cenário mais favorável para iniciativa política das forças populares e para a organização da classe trabalhadora.
O novo governo Lula é produto de uma ampla coalização de forças políticas e sociais. Embora dirigida por setores de esquerda, a frente ampla que sustenta o governo inclui setores da direita liberal que possuem contradições com o bolsonarismo, mas que concordam com a manutenção do programa neoliberal. Neste sentido, o governo Lula é, por um lado, um governo de enfrentamento às forças de extrema-direita e, por outro, um governo em disputa entre o programa eleito em 2022, sintetizado na máxima “incluir o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”, versus a manutenção do neoliberalismo.
Embora os índices econômicos e sociais do governo, com a retomada de um conjunto de políticas públicas, expressem uma melhoria importante nas condições de vida do povo brasileiro, essas mudanças ainda são insuficientes, lentas e sustentadas sobretudo por programas de transferência de renda. Isso faz com que persistam no país altos índices de pobreza, fome, desemprego e concentração de renda. É preciso que as forças populares disputem o governo atrelando o combate à pobreza no país a aspectos estruturais da sociedade brasileira por meio de reformas democráticas e populares, tais como a reforma tributária, agrária e um novo plano de industrialização do país.
Além disso, é preciso compreender as mudanças no mundo do trabalho e as transformações culturais na classe trabalhadora, tais como a diminuição do peso do catolicismo e o aumento do poder das religiões evangélicas. Somente assim, será possível construir uma linha de massas e um programa mínimo que dialogue com o grau de consciência da classe trabalhadora e a coloque em movimento. Embora estes aspectos não determinem a baixa capacidade de mobilização da classe trabalhadora brasileira, evidenciada nas mobilizações do 1º de maio, eles condicionam o cenário e têm se demonstrado um desafio para a retomada das mobilizações no país.
Neste cenário de dificuldades do governo Lula, a extrema-direita tenta retomar a ofensiva política. Apesar da inelegibilidade de Jair Bolsonaro, ele mantém uma forte capacidade de convocatória e de mobilização, como demonstrado nas mobilizações de 25 de fevereiro, na avenida Paulista, e de 21 de abril, em Copacabana. Além do mais, o bolsonarismo busca acumular forças por dentro do sistema político, controlando importantes comissões parlamentares na Câmara Federal e impondo uma pauta contrária ao programa do governo federal.
Este cenário de instabilidade institucional reproduz a crise do atual sistema político brasileiro, com o conflito entre os poderes da República. Mesmo diante da possibilidade de punição dos militares envolvidos no 8 de janeiro e da recente decisão do Supremo Tribunal Federal, os militares continuam sendo atores importantes no cenário político e permanece o espectro da tutela militar. Para enfrentar a crise brasileira, será necessária uma reforma do sistema político e uma reforma democrática das forças armadas. Somente assim, poderemos aprofundar e radicalizar a democracia no país.
Apesar do cenário político bastante distinto, a existência da extrema-direita organizada e com capacidade de mobilização faz com que Lula repita a estratégia dos seus dois primeiros mandatos, realizando concessões no campo econômico e evitando romper, mesmo que temporariamente, com os marcos do neoliberalismo. Somente a entrada em cena da classe trabalhadora pode alterar a correlação de forças a favor dos interesses do povo brasileiro e possibilitar a construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento para o país.
Embora o Governo Lula tenha méritos importantes, ele tem sido insuficiente para o enfrentamento da grave crise pela qual passamos. É visível a ausência de um projeto nacional que unifique o conjunto das forças populares no país. Diante da polarização na sociedade, o governo tem evitado convocar e mobilizar a sociedade brasileira em torno do seu programa. Até mesmo as iniciativas de participação popular do governo têm sido bastante tímidas.
Além disso, a recente tragédia ambiental no Rio Grande do Sul, com mais de uma centena de mortos e 540 mil desalojados pelas enchentes, além de evidenciar a necessidade das forças populares incorporarem o enfrentamento a crise ambiental como um aspecto central de um Projeto Popular para o Brasil, tem demonstrado que sem romper com o neoliberalismo, não se poderá avançar num projeto de reconstrução nacional. Mesmo as importantes medidas anunciadas pelo Presidente Lula e pelo ministro Fernando Haddad, com a suspensão temporária da dívida do Rio Grande do Sul, e o anúncio de 12 bilhões de investimento direto da União, poderão ser insuficientes para o enfrentamento da emergência climática na região. Além da solidariedade dos movimentos populares e das organizações da sociedade civil, será necessário um forte investimento em políticas públicas para evitar novos desastres ambientais.
Diante disso, afirmamos que o momento exige ousadia e iniciativa política das forças populares. É fundamental que o Governo Federal apresente um programa mínimo com medidas emergenciais de enfrentamento à crise social e ambiental no país, atrelando o combate à fome, à violência, ao desemprego e às mudanças climáticas.
Além disso, é preciso fortalecer a unidade das organizações do campo democrático e popular, como um pólo à esquerda na frente ampla, construindo iniciativas unitárias que ponham a classe trabalhadora em movimento e que tenham a capacidade de incidir e disputar os rumos do governo. Somente assim poderemos construir uma governabilidade democrática e popular no país.
Por fim, é preciso retomar o debate sobre a necessidade de um projeto nacional para o Brasil. Por mais importantes que sejam as políticas públicas desenvolvidas pelo novo governo Lula é necessário apresentar um projeto alternativo para o país, atrelando os problemas emergenciais do povo brasileiro com reformas estruturais, tais como a tributária, a agrária, a urbana, um novo plano de industrialização com transição energética, além da radicalização da democracia, com as reformas do sistema político e das forças armadas. Somente assim conseguiremos alterar a correlação de forças na sociedade e derrotarmos definitivamente o bolsonarismo.
A luta do povo é nosso lugar!
Movimento Brasil Popular