Nota de Conjuntura | Iniciativa e unidade das forças populares para enfrentar o cerco do mercado financeiro e da extrema direita

Foto: Junior Lima

Nota de conjuntura do Movimento Brasil Popular

A crise do imperialismo, a eleição de Trump e os dilemas da integração latino-americana.

A crise atual do imperialismo se caracteriza principalmente pelo deslocamento do ciclo sistêmico de acumulação para a República Popular da China e o fortalecimento de novos polos de poder no mundo. A crise de hegemonia do imperialismo tem se manifestado no crescente questionamento à imposição do padrão dólar no mercado mundial, assim como à supremacia militar norte-americana, especialmente após a retirada das tropas estadunidenses da Líbia, do Iraque e do Afeganistão.

Embora os Estados Unidos ainda sejam a principal economia mundial, seu objetivo estratégico tem sido “chutar a escada” do crescimento econômico chinês, buscando impedir uma transição hegemônica global. Em meio à crise, o imperialismo tem intensificado os conflitos militares ao redor do mundo, provocando uma escalada militar na guerra entre a Rússia e a Ucrânia; a intensificação do genocídio do povo palestino, com a ameaça de uma possível colonização de Gaza; e, mais recentemente, na queda de Bashar al-Assad na Síria, colocando em risco a integridade das fronteiras sírias após 13 anos anos de uma guerra civil devastadora. 

Do ponto de vista econômico, a crise da globalização neoliberal se intensifica, marcada pela tendência à desaceleração da economia mundial nos próximos anos, pela retomada do protecionismo e pelo aumento das pressões inflacionárias em escala global.  Nesse cenário de instabilidade internacional, aprofundam-se as desigualdades sociais, com o crescimento da concentração social e racial da riqueza, da violência, da xenofobia e do racismo. 

É neste cenário de crise de hegemonia do imperialismo que se deve compreender o significado da recente eleição de Donald Trump. Com o lema “Make America Great Again”, Trump abandona a pretensão de apresentar os interesses norte-americanos como universais e de “liderar” o sistema internacional de estados, optando por uma estratégia de “dominação sem hegemonia”. 

Nesse contexto, o governo Trump tende a intensificar as medidas protecionistas e de guerra comercial contra a China e os BRICS, buscando isolar esse bloco de países de seus aliados internacionais. Paralelamente, observa-se uma tendência a uma maior subordinação da União Europeia aos interesses belicistas norte-americanos, com o reforço a uma nova corrida armamentista direcionada contra o “inimigo externo” russo. 

No Oriente Médio, Trump deverá adotar uma política de apoio incondicional a Benjamin Netanyahu, incluindo a expansão de assentamentos israelenses em Gaza, na Cisjordânia, no Líbano e na Síria. Na América Latina, o fortalecimento de grupos de extrema direita deverá ser acompanhado pela política do dólar forte, pelo aumento das sanções econômicas e pela ameaça de intervenções diretas em países como Cuba e Venezuela. Por fim, as políticas ambientais já anunciadas por Trump deverão agravar ainda mais a crise climática global, com a possível saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. 

Na América Latina, apesar da recente vitória de Yamanadú Orsi e da Frente Ampla no Uruguai, vivenciamos um momento de crise da integração regional. Essa crise decorre principalmente da eleição de governos de direita e de extrema direita contrários à integração latino-americana, tais como Javier Milei, na Argentina; Nayib Bukele, em El Salvador; e Daniel Noboa, no Equador. Somam-se a isso as frágeis propostas de integração por parte dos governos progressistas do Chile, México, Colômbia e Brasil, bem como a crise interna que divide a esquerda na Bolívia. 

Nesse sentido, além de resistirem à política de sanções econômicas do imperialismo, países como Cuba e Venezuela têm sofrido com o isolamento de importantes governos progressistas na região. Em um momento histórico onde a unidade e a integração latino-americana são mais necessárias, a chancelaria de países como o Chile, Colômbia e o Brasil têm preferido aumentar o dissenso e o conflito diplomático com alguns de nossos vizinhos. Fato que deve ser criticado e repudiado por todos aqueles que defendem uma América Latina unida e forte.

 

As eleições municipais de 2024 e o cerco das duas direitas contra o governo Lula.

No Brasil, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022 representou uma interrupção temporária na ofensiva da extrema direita e de parte das classes dominantes. Isso ocorreu, em grande parte, devido à piora da situação econômica e aos mais de 700 mil brasileiros mortos durante a pandemia da covid-19, provocando um aprofundamento da divisão entre as classes dominantes. Além disso, outro aspecto decisivo foi a resistência popular contra as medidas ultraliberais e golpistas do governo Bolsonaro (PL).  

A vitória política e eleitoral de Lula produziu um novo cenário político, caracterizado por um governo de frente ampla, mas nos marcos de uma correlação de forças desfavorável no Congresso Nacional e na sociedade brasileira. Ainda assim, a conquista do Governo Federal tem possibilitado a retomada de um conjunto de políticas sociais fundamentais para o povo brasileiro e a ofensiva jurídica contra os golpistas do 8 de janeiro, como ficou exemplificado na recente prisão preventiva do general Braga Netto.

No entanto, a retomada desse conjunto de políticas sociais têm sido insuficiente para alterar  de forma significativa a correlação de forças na sociedade. Apesar do aumento gradativo do número de greves nos país nos últimos dois anos e de uma maior disposição de luta de segmentos da classe trabalhadora, como evidenciado na mobilização pelo fim da escala 6×1, faltam iniciativas políticas unitárias que nos permitam  acumular forças no campo democrático e popular.

Em parte, é a ausência de uma tática de acúmulo de forças, centrada no fortalecimento da organização popular e na disputa de ideias na sociedade,  que ajuda a explicar o resultado ruim das eleições municipais em 2024. Certamente, as vitórias da direita e da extrema direita, em especial de partidos como o PSD, PL, MDB, PP, Republicanos e União Brasil, têm como base material a ampla utilização do orçamento secreto, das “emendas pix”, do controle do gigantesco fundo partidário e da ampla utilização da máquina pública; em especial dos governos estaduais, resultando numa taxa recorde de 82% de reeleições. 

No entanto, se não observarmos as mudanças mais profundas que estão ocorrendo no mundo do trabalho não compreenderemos porque, excetuando em Fortaleza (CE), o campo democrático e popular foi derrotado em todas as capitais do país. Um cenário que pode ser caracterizado pela crise da promessa de ascensão social  por meio do trabalho; da formação de uma jovem classe trabalhadora refratária aos sindicatos e ao Estado; pela ascensão de ideologias vinculadas à prosperidade e ao enriquecimento rápido; e pela crise geracional que afeta a esquerda brasileira,

Além disso, o aumento da violência nos grandes centros urbanos tem fortalecido concepções conservadoras relacionadas à espiritualidade e à família. Paralelamente, a alta do preço dos alimentos e o elevado custo de vida nas grandes cidades têm diminuido o impacto da redução do desemprego e das melhorias sociais dos últimos dois anos. 

O caos na segurança pública, com o aumento dos casos de racismo e de violência policial em São Paulo, tem provocado um importante debate na sociedade sobre o papel das forças de segurança no país. Embora casos de racismo e de violência policial estejam impregnados na estrutura das polícias militares de todo o país, é inegável que a política de segurança pública, conduzida por Guilherme Derrite e Tarcísio de Freitas representa uma carta branca para o genocídio da população negra e pobre de São Paulo. 

É fundamental combater e denunciar os diversos casos de violência policial, bem como exigir a responsabilização dos culpados por esses crimes, mas é preciso sobretudo apresentar uma proposta alternativa de segurança pública que assegure o direito da população negra e periférica do nosso país a ter uma vida digna e segura. 

Passadas as eleições municipais, o governo Lula encontrou-se diante de uma nova tentativa de cerco. De um lado, o mercado financeiro busca impor a todo custo que o governo federal retire direitos da classe trabalhadora, minando a sua popularidade e fragilizando sua própria base social. De outro, a extrema direita na Câmara dos Deputados busca sabotar o governo, aprovando na Comissão de Cidadania e Justiça (CCJ) um conjunto de medidas contrárias aos interesses populares que foram derrotadas nas eleições de 2022, como o “voto impresso” e o “PL do estuprador”, que proíbe o aborto legal inclusive em casos já previstos pela Constituição. 

Diante das pressões do mercado financeiro, o Governo Federal apresentou, por meio do Ministro da Fazenda Fernando Haddad, um pacote econômico contendo importantes medidas. Estas trazem restrições como isenções fiscais, contingenciamento às emendas parlamentares, limitação dos super-salários no serviço público, reforma da previdência dos militares.

Além destas, tem-se como marco a isenção do imposto de renda aos trabalhadores que recebem até R$ 5 mil. No entanto, a proposta também retira e restringe direitos dos trabalhadores, com a redução do abono salarial, a limitação da política de valorização do salário-mínimo aos marcos do Novo Arcabouço Fiscal,  além do aumento das restrições ao Bolsa Família e ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). 

Nesse sentido, diante de uma correlação de forças desfavorável no Congresso Nacional e do cerco das duas direitas, a resposta do Governo Federal tem sido fazer concessões ao mercado financeiro, buscando compensar a retirada de direitos dos trabalhadores, com possíveis novas conquistas, tais como a proposta de reforma do imposto de renda.  No entanto, os presidentes da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já anunciaram que a proposta de reforma da renda ficará somente para o ano de 2025. Além disso, medidas que restrigem o poder do parlamento, como a restrição das emendas parlamentares e que limitam os super-salários possivelmente serão desidratadas pelo Congresso. 

Por isso, é necessário que as forças democráticas e populares, ao mesmo tempo que continuem enfrentando as tentativas golpistas da extrema direita, lutando pela prisão dos golpistas do 8 de janeiro, elevem o tom no enfrentamento contra as medidas de austeridade fiscal e a tentativa de cerco do mercado financeiro, com a imposição do programa derrotado nas urnas em 2022.

Por um plebiscito popular pela taxação dos super-ricos e pela redução da jornada de trabalho!

Diante da tentativa de cerco do mercado financeiro e da extrema direita, é necessário iniciativa política e unidade das forças populares em torno de “linhas de massas” que dialoguem com a classe trabalhadora e que a ponham em movimento. Somente a entrada em cena da classe trabalhadora pode alterar a correlação de forças na sociedade brasileira e assegurar a implementação do programa vitorioso nas urnas em 2022. 

Nesse sentido, é preciso recuperar as diversas experiências de plebiscito popular em nosso país, em especial os contra a Dívida Externa e contra a ALCA; mas também outras experiências mais recententes, como o plebiscito contra a privatização da Vale do Rio Doce; pelo limite da propriedade de terra; e pela Constituinte do Sistema Político, que foram importantes momentos de debate com o povo brasileiro. Por isso, propomos ao conjunto das forças democráticas e populares em nosso país a realização de um plebiscito popular em torno de duas bandeiras fundamentais: a  taxação dos super-ricos e a redução da jornada de trabalho, com o fim da escala 6×1.

A primeira, a taxação dos super-ricos, é impulsionada pela proposta de reforma do imposto de renda apresentada pelo governo federal, isentando os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil em nosso país. A segunda, por sua vez, traz consigo uma  pauta histórica do movimento sindical brasileiro: a redução da jornada de trabalho, com o fim da escala 6×1. Esta ganhou novo impulso com a mobilização do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), mobilizando importantes segmentos da classe trabalhadora contra a superexploração do trabalho. 

A nosso ver, a proposta de plebiscito popular em torno dessas duas bandeiras fundamentais pode unificar amplos setores do campo democrático e popular, possibilitando também a retomada do trabalho de base nos territórios e a luta de ideias na sociedade brasileira. Desde já, importantes movimentos populares do país, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) têm demonstrado adesão à proposta de plebiscito. No entanto, queremos que essa construção extrapole o movimento popular organizado e se enraíze em cada território, associação de moradores e igreja de nosso país. 

Somente com a entrada em cena do povo brasileiro poderemos superar o cerco do mercado financeiro e pautar reformas estruturais em nosso país!

A luta do povo é o nosso lugar!

Movimento Brasil Popular

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