*Texto de Ana Keil (PR) e Elisa Maria (PE), militantes do Movimento Brasil Popular e integrantes do Setor Nacional de Mulheres
No contexto de crise do sistema capitalista, na medida que os rendimentos diminuem e que os serviços sociais públicos colapsam, as mulheres assumem cada vez mais a carga de trabalho dos seus agregados familiares, cuidando das crianças, dos idosos, dos doentes e famintos, e assim por diante. Pode não parecer, mas esta sobrecarga também é uma forma de violência contra as mulheres, inibindo-as de espaços públicos, políticos e de decisão, entre outras formas de violência mais explícitas.
São muitas as manifestações que revelam a presença do sistema patriarcal, herdado do processo colonizador no Brasil desde os seus primórdios. Costumes tradicionais, dogmas religiosos e valores introjetados em práticas sociais, reproduzidos pela educação formal, atuam como “combustível” para manter acesa a chama da misoginia, da discriminação e da opressão contra as mulheres no país.
Em 2023, foram registrados 3.181 casos de violência contra a mulher. É como se, a cada 24 horas, oito mulheres sofressem crimes como agressões, torturas, ameaças e ofensas, assédio ou feminicídio. A violência aumentou 22% em 2023 em relação a 2022, das violências registradas, 586 foram feminicídios e em mais de 70% dos casos cometidos pelo companheiro ou ex-companheiro da vítima. Armas brancas foram usadas em 38% dos casos de assassinatos, enquanto armas de fogo representam 23% dos registros.
Já em 2024, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o número de feminicídios aumentou no país, chegando a 1.467 vítimas, maior resultado desde a criação da lei que criminaliza esse tipo de violência, instituída em 2015. Entre as principais denúncias estão ameaças, agressões; e os “stalkings” – ato de perseguição virtual – aumentaram consideravelmente. Os dados também apontam que as mulheres negras são as principais vítimas das violências direcionadas ao gênero feminino no país, somando 66,9% dos casos registrados.
Tratando-se do ambiente político, um levantamento recente organizado pelo PSOL revelou que dos 34 casos notificados pela sigla, cinco atingiram homens; enquanto 29 tiveram como alvo as mulheres, sendo seis delas mulheres trans. As ocorrências vão desde xingamentos, passando por ameaças de estupro e morte, até o assassinato de fato, como ocorreu em 2018 com a vereadora carioca Marielle Franco.
Passamos toda a vida lutando contra o silenciamento de nossas vozes; batalhamos por igualdade de tratamento nos diferentes espaços de convivência pessoal, pública e profissional; resistimos à violência multifacetada do mundo ao redor. Da mesma maneira, superamos barreiras internas do ambiente político-partidário para conquistar espaços de liderança e, mesmo depois de vencidas todas essas etapas, as mulheres que atuam em frentes de poder convivem ainda com outro desafio: a violência política de gênero.
A PEC dos Estupradores e a expressão do fascismo
Atualmente está em trâmite no Congresso Nacional a PEC dos Estupradores (PEC 164/2012). Não é coincidência que entre os parlamentares que a defendem estão também aqueles que são contra a tramitação da PEC que põe fim à escala de trabalho 6×1. Estes são representantes da direita ou extrema direita, que defendem e levam ao Congresso um projeto político neoliberal e fascista.
Tratando-se da vida das mulheres, o que eles querem é a precarização dos serviços de aborto legal e de combate e prevenção à violência contra a mulher, assim como a criminalização do aborto, o livre exercicido da violência política, do discurso de ódio e do racismo. Porém, o caminho para defender a vida das mulheres é aquele em que têm a destruição do racismo, do patriarcado e do capitalismo como pauta. Isso porque não seremos livres enquanto não forem destruídos os mecanismos de manutenção da opressão das mulheres, com o controle dos nossos corpos seja fisicamente seja através do medo.
Além disso, ao promover políticas que levam ao desmonte dos serviços públicos essenciais, fica evidente que os inimigos das mulheres são os inimigos da classe trabalhadora e tem um projeto de sociedade bem articulado. A linguagem deles é a da violência, da militarização da vida, do lucro acima da vida digna, da conivencia com os atentados à democracia, um projeto politico que nao e o nosso.
Queremos o aborto legal, gratuito e seguro acessível, queremos trabalho digno e o fim da escala 6×1, queremos que os golpistas sejam devidamente punidos para que nunca mais aconteça qualquer atentado à democracia. Para que isso seja possível, cabe a nós, movimentos populares, articular as lutas e evidenciar nosso projeto, sabendo que um mundo livre de violência para as mulheres não é pauta só das mulheres, mas de todos.
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a posição do Movimento Brasil Popular
Edição: Emilly Firmino