Do coletivo ao individual: como cuidar da saúde após as enchentes no Rio Grande do Sul?

A queda nos níveis da água em diversas cidades traz a necessidade de cuidados especiais com a água, alimentos e prevenção de doenças 

As ações do Estado são fundamentais para coordenar as ações em saúde, infraestrutura e reconstrução dos municípios atingidos. Foto: Gustavo Mansur/Secom

A catástrofe climática que atingiu o Rio Grande do Sul nos últimos dias tem impacto nos diversos campos estruturais, pedindo cuidado amplo de todos os setores não apenas durante o período das chuvas e cheias, mas também no pós-enchentes. Neste cenário, uma preocupação emergencial e que atravessa as diversas outras medidas para o retorno da normalidade é o cuidado com a  Saúde Pública, especialmente nessa situação de adoecimento generalizado.

Em momentos como esse, a solidariedade coletiva e a conscientização da população sobre cuidados individuais para a prevenção de doenças é fundamental, mas não são o bastante caso não haja a ação forte de todos os órgãos do Estado, com investimento e prioridade na promoção de políticas públicas. Para falar um pouco sobre a atual situação do Rio Grande do Sul e das medidas necessárias a médio e longo prazo, conversamos com Marcela Vieira Freire, que é médica infectologista e compõe a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares.

Movimento Brasil Popular: Qual o impacto que uma catástrofe como a do Rio Grande do Sul tem na saúde da população?

Marcela Vieira: Podemos dizer que o impacto é imediato e também a longo prazo. Imediato porque a própria inundação pode ser um veículo de transmissão de doenças como a Leptospirose e a Hepatite A. As consequências da aglomeração de pessoas nos abrigos e problemas como a falta de água também podem também impactar diretamente no risco de doenças infecciosas como gastroenterites e quadros respiratórios, como síndromes gripais, por exemplo. 

Uma outra preocupação são os transtornos em saúde mental, estresse pós-traumático, depressão, transtornos de ansiedade, que para alguns aparece de forma imediata e outros tardiamente, se manifestando apenas algum tempo após a exposição aos traumas. Além disso, é importante considerar que no Rio Grande do Sul já havia um cenário de taxa elevada de incidência – ou seja, de novos casos diagnosticados -, de Tuberculose e HIV/Aids. Por isso, é muito importante que os serviços estejam atentos para evitar a interrupção do tratamento dessas pessoas, assim como o adoecimento de novas.  

Quanto aos impactos a longo prazo, observamos que as populações mais vulneráveis, que em geral são as mais atingidas por emergências climáticas, também terão mais dificuldades em restabelecer o seu cuidado. A reconstrução da rede de saúde local pode demorar algum tempo e isso também pode gerar uma ruptura do cuidado de pessoas com doenças crônicas, por exemplo.

Brasil Popular: Qual a importância da ação do Estado para amenizar os impactos e gravidade desse cenário pós-enchentes? 

Marcela: As ações do Estado são fundamentais para coordenar as ações em saúde, infraestrutura e reconstrução dos municípios atingidos; oferecer apoio, destinar verbas e a força de trabalho dos ministérios através de ações intersetoriais. A solidariedade das pessoas demonstra também o potencial das ações coletivas, mas em situações de catástrofes precisamos do Estado forte e organizado para coordenar as ações e mitigar os impactos da emergência climática.

No âmbito da saúde, foi rapidamente constituído o COE, Centro de Operações de Emergência, para estabelecer rapidamente ações como o envio de profissionais através da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS). Da mesma forma, o envio de insumos e infraestrutura, medicamentos, vacinas e também o lançamento de notas técnicas para ampliação das ações de prevenção e orientações, visando a redução das barreiras de acesso aos medicamentos para as pessoas que estão em tratamentos contínuos.

Brasil Popular: Como as organizações populares podem atuar em conjunto com as ações institucionais? Na pandemia tivemos os Agentes Populares de Saúde, seria uma opção de ação de solidariedade válida para esse momento?

Marcela: Considero que estas são ações exitosas e muito importantes para a capilarização de ações de solidariedade e para atingir o máximo de pessoas, principalmente as mais socialmente vulneráveis. A formação de Agentes Populares de Saúde é uma iniciativa que contribui para que as pessoas conheçam e atuem de forma organizada na prevenção de doenças, assim como na capilarização da vigilância em saúde, orientações e atuação no território a partir da perspectiva da organização comunitária. Além das ações dos Agentes Populares de Saúde, as ações das cozinhas populares também são fundamentais, isso faz toda diferença em situações de extrema urgência e calamidade.

Brasil Popular: Qual a importância de ações como estas funcionando de forma permanente enquanto uma Política Pública, enquanto cuidado contínuo e não apenas em momentos de emergência?

Marcela: É essencial que tenhamos políticas mais específicas e voltadas para a mitigação da emergência climática. A negligência desse tema levou o governo do Rio Grande do Sul  a não implementar de forma precoce as ações preventivas; diante desse fato, porém, podemos ter ações mais efetivas e duradouras. A formação de agentes populares em saúde é uma importante medida, além das ações mais voltadas à preservação dos biomas locais e prevenção de desastres.

Brasil Popular: Quais cuidados individuais as pessoas podem ter para amenizar a exposição às doenças?

Marcela: A princípio para as pessoas que fazem uso contínuo de medicamentos, recomenda-se a manutenção dos tratamentos para evitar que o quadro de doença crônica se agrave num contexto de colapso dos serviços de saúde. Em caso de algum quadro respiratório, se for uma pessoa com comorbidades ou idade superior a 60 anos, é preciso buscar avaliação médica. Em casos gerais, caso não existam sinais de gravidade, recomenda-se utilizar máscara se estiver em local com aglomeração. Caso apresente sinais de icterícia (olhos amarelos), é recomendado que procure imediatamente um serviço de saúde.

Além disso, sabemos das limitações do cuidado em saúde em situações de catástrofe, mas algumas medidas podem contribuir para mitigar os surtos e transmissões de doenças, como utilizar água e sabão para lavar sempre as mãos antes das refeições e após utilizar o banheiro. Da mesma forma, fazer a higienização dos alimentos e ter atenção à água na hora de beber e preparar alimentos. Por fim, seguir as recomendações atuais do Ministério da Saúde e das coordenações de saúde locais. Foram montados hospitais de campanha e já tem 202 profissionais atuando pela Força Nacional atuando na região para reduzir o risco de surtos. 

Solidariedade ativa para reconstruir o Rio Grande do Sul

Desde o início das chuvas e enchentes no Rio Grande do Sul, o Movimento Brasil Popular, junto de outras organizações populares, tem se colocado na linha de frente das ações de solidariedade aos milhares de atingidos. 

Para reunir os alimentos que são usados na produção das marmitas, as roupas, calçados e materiais de higiene, foram abertos mais de 100 pontos de arrecadação e abrigos organizados pelos próprios moradores da capital gaúcha, e você pode ver o local mais próximo de você clicando aqui para saber mais. 

Você também pode doar via Pix para colaborar com a ação das nossas Cozinhas e Agentes Populares (CPF 031.930.730-16 | Razão Social: Alexandre Garcia, Agente Popular de Saúde).

Edição: Vanessa Gonzaga

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