“A violência política de gênero e raça é uma marca presente, crescente e cruel no Brasil.” Foto: Nunah Alle/Mídia Ninja
Texto de Jessy Dayane, secretária adjunta da Secretaria Nacional de Juventude e da Direção Nacional do Movimento Brasil Popular
No dia 14 de março de 2024, completam-se seis anos do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Após mais de meia década, seguimos sem respostas sobre quem foram os mandantes do crime que chocou o Brasil e o mundo, ao interromper a vida da vereadora carioca, mãe, LGBTQIA+, mulher negra periférica, militante dos direitos humanos e defensora incansável das causas populares.
As investigações identificaram Ronnie Lessa como autor dos disparos, Élcio Queiroz como motorista do carro utilizado durante o assassinato, e Maxwell Corrêa como responsável por monitorar a rotina de Marielle e auxiliar na eliminação das provas do crime.
Porém, quem mandou matar Marielle não foi identificado e, consequentemente, segue impune. A expectativa é de que o relatório final da Polícia Federal seja apresentado em abril deste ano, encerrando finalmente esse caso, que representa um duro ataque à democracia brasileira e uma dor irreparável para familiares, amigos e militantes que conviveram com Marielle e Anderson.
O caso nos causa muita dor e indignação, pela forma bárbara como aconteceu, pela impunidade do mandante, pelo longo tempo sem resposta e sem justiça, e também porque, infelizmente, a violência política de gênero e raça é uma marca presente, crescente e cruel no Brasil.
Dessa forma, o dia 14 de março deve ser lembrado para eternizar o legado de Marielle Franco, inspirando outras Marielles Brasil afora. Mas, também precisa ser marcado como um dia de luta contra a violência política de gênero e raça, para que nenhuma das nossas vozes seja interrompida, para que mulheres, negras e LGBTQIA+ não sejam mais silenciadas e expulsas dos espaços de poder.
Violência política de gênero e raça
Em um esforço de tipificar as violências sofridas pelas mulheres negras, uma pesquisa realizada pelo Instituto Marielle Franco, que ouviu mulheres negras candidatas que aderiram à agenda Marielle Franco, identificou, por ordem de maior incidência, casos de: violência virtual (78%), moral e psicológica (62%), institucional (55%), racial (44%), física (42%), sexual e gênero ou LGBTQIA+ (28%).
Além disso, o levantamento revelou que 32,6% das vítimas denunciaram algum tipo de violência, porém 70% delas afirmaram não terem obtido mais segurança em sua atuação a partir dos encaminhamentos das autoridades.
Outra pesquisa, produzida pelo Instituto Alziras, com dados das prefeitas eleitas em 2016, indicou que a falta de recursos para as campanhas, o assédio, as violências e o espaço desigual na mídia são fatores que dificultam o acesso e permanência das mulheres na política. Entre as prefeitas eleitas, 53% afirmou ter sofrido assédio ou violência política de gênero.
É preciso avançar
O debate público e os estudos sobre violência política de gênero e raça ainda são recentes no Brasil, apesar da gravidade do problema.
Já podemos comemorar pequenos mas significativos avanços, como o aumento de mulheres negras eleitas nas câmaras municipais e prefeituras. Comparando as eleições de 2016 e 2020, por exemplo, observamos o aumento de 5% para 6,5% e de 3,2% para 3,9%, respectivamente.
Por outro lado, também identificamos uma escalada de violência contra candidatas e mandatos de mulheres eleitas. No último ano, foram diversos os relatos de parlamentares mulheres, expondo publicamente algumas das violações às quais estão submetidas. São ameaças de agressão física, estupro, morte, entre outras.
Ao mesmo tempo, apesar do crescimento da representação das mulheres na política, ainda somos sub-representadas e, quando se trata de mulheres negras, a situação é ainda mais crítica.
Na eleição de 2022, por exemplo, a representação das mulheres cresceu 18% na Câmara Federal, mas ainda assim somos apenas 91 deputadas entre 513 parlamentares, o que representa 17,7% do total, mesmo as mulheres sendo a maioria da população brasileira.
Esse cenário indica que o desafio de enfrentamento à violência política de gênero é urgente e necessário para consolidar de fato a nossa democracia.
Em 2021, tivemos um avanço importante, que foi a tipificação da violência política de gênero como crime, por meio da Lei 14.192, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher.
Além disso, a Lei também define violência política contra a mulher como “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”.
Apesar dos limites da aplicabilidade da Lei, o fato da violência política de gênero ser reconhecida e tipificada na legislação brasileira é relevante para enfrentar essa situação.
Nos queremos vivas e nos espaços de poder
Outras iniciativas também estão em curso, como a do Ministério das Mulheres, que firmou uma parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para investigar e analisar as políticas para o enfrentamento à violência política de gênero, raça e etnia, em países da América Latina e Caribe.
Considerando que esse fenômeno é global, é necessário compreender e desenvolver estratégias de enfrentamento a nível internacional. A iniciativa também pretende identificar mecanismos legais para ampliar as possibilidades de ocupação dos espaços políticos por mulheres.
Neste ano, com a proximidade de mais uma corrida eleitoral, é preciso encarar as eleições de 2024 como uma oportunidade para fortalecer não só a presença das mulheres na política, mas também de criar mecanismos de enfrentamento à violência política de gênero e raça. É preciso coibir e punir os agressores, além de conscientizar a sociedade sobre as consequências dessa prática.
Nos queremos vivas e nos espaços de poder!
Este é um artigo de opinião pessoal e não necessariamente representa a posição do conjunto do Movimento Brasil Popular
Edição: Ana Carolina Vasconcelos