A questão que se coloca agora é como o governo vai enfrentar a crise fiscal. Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Texto de Igor Felippe Santos, militante do Movimento Brasil Popular*
A devolução pelo presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) da Medida Provisória 1227/24, que acaba com um esquema de compensação de créditos das contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins, marca o encerramento de uma fase do governo Lula 3 e cria dúvidas sobre os próximos passos da gestão liderada pelo PT.
A estratégia do governo, capitaneada pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad, era elevar o patamar geral do Orçamento com a PEC da Transição, aprovar um marco fiscal acordado com o Congresso Nacional e o Poder Judiciário e aumentar a arrecadação com medidas que onerem o topo da pirâmide social.
Essa política foi conduzida de forma relativamente exitosa, sobretudo, com a aprovação dos projetos de taxação dos fundos exclusivos e dos fundos offshore. Além disso, tinha a perspectiva de avançar na segunda fase da reforma tributária, com foco nas mudanças da taxação da renda e retomada do imposto sobre lucros e dividendos.
A reação à estratégia do governo ficou mais nítida depois que o governo publicou, no final do ano passado, a Medida Provisória 1202/23, que limitava a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia. Além disso, a mesma medida fazia mudanças no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), de 2021, criado para ajudar o setor de eventos durante a pandemia de covid-19.
Desde então, cresce a pressão dos grandes capitalistas para o governo enfrentar o problema fiscal por meio do corte de gastos sociais, com o recrudescimento da política de austeridade fiscal. Acabou o amor pregado pela campanha do Lula e que contagiou a “frente ampla” que se formou para derrotar Bolsonaro. A luta de classes, expressa no conflito distributivo, está se impondo, o que obrigará o governo a contrariar interesses para fechar a conta.
A Faria Lima, seus representantes no Congresso Nacional e nos meios de comunicação empresariais, já têm propostas que passam pela retirada de conquistas históricas da sociedade. O programa das forças neoliberais prevê acabar com os pisos constitucionais de investimentos em educação e saúde, desvincular o aumento da aposentadoria do salário mínimo e fazer uma nova reforma da Previdência.
O revés do governo na MP do PIS/Cofins, que acabava com um esquema de evasão fiscal de pelo menos R$ 25 bilhões – que beneficia, sobretudo, o agronegócio – sem qualquer margem de negociação, terminou a primeira fase do governo, baseada na tentativa de “harmonização” dos Três Poderes em torno de uma pauta econômica comum.
Começou a gritaria dos setores privilegiados por medidas de desoneração, que se recusam a pagar impostos e tentam eternizar as benesses que obtiveram em situações específicas. Mesmo assim, Haddad conseguiu um acordo para estabelecer uma retomada gradual da contribuição sobre a folha de salários até chegar em 2028 à alíquota de 20%, cobrada das empresas que não são privilegiadas.
A operação para derrotar a proposta do Ministério da Fazenda uniu diversos setores empresariais, até mesmo aqueles que não seriam impactados diretamente pela medida. Foi criada uma instabilidade econômica para enfraquecer o governo, incluindo até rumores sobre a saída do ministro Haddad. As ações nas bolsas de valores caíram e o dólar subiu. Por fim, o Banco Central encerrou o ciclo de sete quedas consecutivas da taxa de juros, fixada em 10,5%.
A equipe econômica aproveitou a força do primeiro ano de governo para avançar com a estratégia política de jogar a pressão do mercado pela austeridade fiscal sobre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário para aprovar medidas que retirassem privilégios de determinados setores econômicos.
A linha política de cortar privilégios para sustentar a política fiscal, em acordo com o conjunto das instituições, se esgotou com a unidade das frações da burguesia, a obstrução de canais com o Congresso Nacional e com a divisão no governo em relação à MP do PIS/Cofins. Depois de sinalizações sobre a possibilidade de aceitar parte da agenda do mercado, o governo assumiu uma postura mais clara em relação às medidas propostas de retirada de direitos. “São os ricos que se apoderam de uma parte do orçamento do país e eles se queixam do que está sendo gasto com o povo pobre. Por isso que eu disse que não me venham querer que se faça qualquer ajuste em cima das pessoas mais humildes do país”, disse Lula em entrevista recente.
A questão que se coloca agora é como o governo vai enfrentar a crise fiscal. Fazer cortes no orçamento para cumprir as regras previstas pelo marco fiscal ou recorrer à sociedade para pressionar pela implementação do programa eleito nas urnas? A história demonstra pedagogicamente que, quando o povo desconfia da real e efetiva disposição de um governo de cumprir sua missão, a esperança se esvai e a frustração se transforma em combustível para as forças opositoras.
A luta das mulheres contra o PL do Estupro ensina que, quando o quadro polariza e as pessoas se sentem engajadas a sair às ruas por uma causa justa, as forças vivas da sociedade se movimentam. Foi assim também no processo de mobilização para a eleição do Lula em 2022, quando era questão de vida ou morte da democracia.
Enquanto a extrema-direita aposta na mobilização de temas com apelo moral, tentando colocar as forças populares na defensiva em um terreno desfavorável, cabe à esquerda disputar a cena política com uma agenda econômica capaz de transformar efetivamente a vida do povo brasileiro, na garantia de seus direitos e na redução das desigualdades.
Diante da obstrução do caminho dos acordos com o Congresso, o governo precisa adotar uma posição mais ativa e construir um processo de acúmulo de forças na sociedade em torno da realização de uma reforma tributária progressiva e combate aos privilégios dos grandes capitalistas, para garantir investimentos para acabar com a pobreza e enfrentar os problemas das mudanças climáticas.
As margens se estreitam e colocam o governo na encruzilhada de enfrentar interesses para avançar com medidas concretas que coloquem em movimento sua base social ou fazer concessões que criem desconfiança, desmobilização e desmoralização. Coloca-se, mais uma vez, a disjuntiva de 2015, quando o governo se afastou do programa que o elegeu e perdeu apoio popular. Agora, o desfecho pode ser novamente amargo, colocando em risco o legado histórico da maior liderança popular do Brasil.
*Este é um artigo de opinião pessoal e não necessariamente representa a posição do conjunto do Movimento Brasil Popular.