Artigo | Disputar os sentidos e o imaginário social em torno do 13 de maio

Chegamos até aqui graças à consciência histórica e o papel do povo negro nas diversas formas de organização coletiva contra o sistema escravocrata. Foto: Junior Lima

Texto de Nonato Nascimento, militante do Movimento Brasil Popular 

É fundamental e necessário disputar o sentido político e o papel histórico dos quilombos e do movimento abolicionista radical que, atuando por dentro da sociedade escravista, provocou o desgaste em diversos níveis das forças sociais, políticas e econômicas. A construção de alianças e a combinação de lutas contra o sistema foram fundamentais para as diferentes formas de resistência frente aos horrores da escravidão e das estruturas sociais de desumanização e violência sistemática contra o povo negro em luta por liberdade. 

Passados 136 anos da abolição inacabada, parte significativa do movimento popular negro brasileiro eleva o debate e passa a disputar os sentidos e o imaginário social em torno do 13 de maio. O debate aberto não coloca na centralidade da ordem o papel da princesa Isabel ou das contradições existentes dentro do próprio movimento abolicionista, mas as diversas combinações de luta organizada pelo povo negro e o movimento abolicionista e o seu papel para a desidratação do sistema escravista.

Reduzir, negar e invisibilizar a presença negra no movimento de libertação das tecnologias de tortura do sistema escravocrata é reproduzir a lógica colonial de silenciamento das lutas, da organização e do pensamento político que possibilitou desgastar a economia escravista e a ordem senhorial. Disputar esse leito histórico é fundamental para superar a ótica que segue tentando anular o papel revolucionário das rebeliões e das suas lideranças históricas. 

O movimento de retomada do sentido histórico da participação e presença de abolicionistas negros escravizados na luta pela liberdade e do movimento abolicionista como um todo, como um movimento nacional e de massas, é reflexo da reivindicação coletiva pelo direito à verdade e a memória em torno dos significados da Rebeldia Negra e do papel político e histórico de figuras como Dandara dos Palmares, Maria Felipa, Tereza de Benguela, Preta Tia Simoa, Acotirene, Luiza Manhin, Luiz Gama, Esperança Garcia, Maria Firmina dos Reis, Adelina, José do Patrocínio, Chico da Matilde, André Rebouças, entre outros que dedicaram suas vidas pela liberdade, terra e trabalho.

A liberdade não foi só um arranjo pelo alto, um acordo entre as elites dominantes, nacional e internacionalmente. Mas uma síntese de múltiplas determinações cujas lutas e alianças do povo negro são parte desse processo, levando, inclusive, autores, como Jacob Gorender, atribuir ao movimento abolicionista, o caráter de única revolução social existente no nosso país.

A disputa política e simbólica vem se afirmando no último período com objetivo de romper com leituras e afirmações que colocam o povo negro escravizado como agentes passivos do sistema, desconsiderando as revoltas, as guerrilhas, a resistência armada e a participação em movimentos como fundamentais para desestabilizar o sistema escravista. O direito a rebelar-se possibilitou as condições necessárias para a negação da condição de escravizado para a formação da consciência coletiva enquanto agente histórico da luta por liberdade e vida. 

O movimento feito hoje por diversas organizações populares para revisitar a historiografia, inspirados em esforços políticos e teóricos como de Clóvis Moura e outros, é fundamental e necessário para restabelecer o papel histórico da rebeldia negra e das lutas populares como ponto de partida para elaboração e construção de um projeto popular para o Brasil.

Seguem em aberto os sentidos do 13 de maio, como um dia de uma abolição incompleta, no qual o programa abolicionista, de fim das estruturas associadas ao trabalho escravizado, como o latifúndio, a dependência e as desigualdades raciais e sociais não foram superadas e apontam uma segunda abolição como uma necessidade histórica. 

Nada se compara aos horrores da escravidão e do seu complexo industrial de violência e de morte. Mas o racismo ainda hoje é um elemento estruturante da formação social brasileira, como herança desse período e também como parte fundamental da produção e reprodução da exploração capitalista hoje.

É importante frisar que a abolição não era o projeto das elites brasileiras. Ela foi parcialmente derrotada e desmoralizada com o seu projeto senhorial do escravismo também pela diversidade de levantes negros, da capacidade de construir alianças e influenciar a opinião pública. E na luta pela liberdade contra a escravidão, o povo negro e o movimento abolicionista abriram um debate em torno do projeto de nação e poder que nos interessa resgatar.   

A LUTA CONTINUA!

Os movimentos populares negros seguem denunciando a abolição inacabada e a necessidade de reparações históricas frente ao genocídio continuado contra crianças e jovens negros nas periferias, dos altos índices de encarceramento da população negra por conta da nefasta política de guerra às drogas, da paralisia no reconhecimento e demarcação dos territórios quilombolas e da perseguição sistemática às religiões de matriz africanas e afro-brasileira.

Reivindicar a radicalidade da rebeldia negra é afirmar na prática cotidiana a necessidade de superar as estruturas da exploração e da opressão que é marca do sistema patriarcal-racista-capitalista. As falsas soluções apresentadas como saídas para o povo negro são parte do projeto de classe dos que historicamente estiveram na posição de exploração, opressão e desumanização do povo negro. 

Chegamos até aqui graças à consciência histórica e o papel do povo negro nas diversas formas de organização coletiva contra o sistema escravocrata e com a certeza que os movimentos populares retomam a perspectiva e o papel das rebeliões negras enquanto referência e base fundacional do Projeto Popular para o Brasil. 

Somos continuidade da luta por liberdade e seguimos organizados contra todas as formas de opressão e exploração da classe trabalhadora que segue sendo a maioria negra no Brasil. 

Edição: Vanessa Gonzaga

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