Por Monique Brasil
Eu não sei em qual mês foi que eu – uma agnóstica mística, por assim dizer – chorei lendo um livro sobre Jesus escrito por um historiador ateu, a saber, André Leonardo Chevitarese em Jesus de Nazaré (2022). Só sei que eu chorei por encontrá-lo de novo. O que me tocou, como crente da esperança e militante da causa dos trabalhadores e trabalhadoras, foi enxergar mais um de nós em uma época tão distante. Não obstante, a sua existência enquanto Deus e Cristo, a trajetória do Jesus homem, nos eleva a consciência de valores tão esquecidos em uma sociedade de multidões feitas de gente que tenta caminhar sozinha.
Por este motivo, eu te convido a descobrir Jesus de Nazaré (de novo) neste Natal, onde muitas famílias choram tanto pela falta de tudo e pela morte que ronda e ameaça com violência as existências de comunidades inteiras. Vivemos em um mundo onde o capital penetra a vida e a fé de milhões, os deixando à propria sorte e se tornando um deus em si mesmo.
Jesus nasceu por volta de 4. a.C – apesar de ser difícil precisar essa data. Ele era um judeu palestino, camponês, e veio ao mundo em uma Palestina ocupada pelo Império Romano, que exercia tanto controle sobre a vida das pessoas, que o evangelista Lucas adverte que a família sagrada precisou se mudar de Nazaré para a “Judeia” por conta de um recenseamento. (Chevitarese et al., 2006). Apesar de o consenso histórico ter divergências com o relato de Lucas no que se refere ao tempo cronológico desses acontecimentos, esta é mais uma prova de como era difícil para os palestinos a vida em uma terra ocupada.
O controle que o Império Romano exercia sobre a vida cotidiana na Palestina e os horrores que a sua força militar impunha durante o período do nascimento de Jesus não nos remete a algo muito similar? A migração obrigatória de uma cidade para a outra por questões burocráticas é tão distante assim de passar por um checkpoint para poder trabalhar, ir ao médico ou exercer inocentes atividades cotidianas? A vida de um menino palestino no tempo da dinastia herodiana era muito próxima dos horrores perpetrados pelo Estado de Israel hoje, que parece alvejar propositalmente as crianças palestinas.
Jesus, um camponês, filho de um carpinteiro e uma jovem judia de classe baixa, nasceu após 59 anos de ocupação romana da Palestina, que iniciou por volta de 63 a.C. Este ano marcou 57 anos desde a Guerra dos Seis Dias, onde o Estado de Israel avançou sobre os territórios partilhados com a Palestina em 1947, portanto 77 anos ao todo de ocupação e vilipêndio da vida e das terras palestinas. Assim como Jesus de Nazaré, muitas crianças e jovens nasceram em uma terra ocupada e tiveram que lidar com ataques à sua fé, modo de vida, falta de acesso a itens básicos e o sangue derramado dos seus amigos e parentes.
Jesus, o carpinteiro, homem divino e pregador itinerante, não era de família nobre, não ceava com a elite social e não se encaixava no perfil dos líderes religiosos da época. Tampouco, segundo os próprios relatos bíblicos, acreditava na comercialização da fé ou em ficar calado face às injustiças (Jó 2,13-22 NTH).
Existe um convite a pensar a solidariedade no Jesus que multiplicou os pães e os peixes (Marcos 6:30-56 NTH), que ainda é fundamental em um tempo onde amar e esperançar é uma forte afronta ao acumular e se conformar. Mas existe um convite também na figura do nazareno com o chicote na mão no templo ou aquele que chama os próprios discípulos de hipócritas por se recusarem a ajudar os seus pais terrenos, acreditando que a adoração a Deus os exime da obrigação com a humanidade (Marcos 7, 6-13 NTH).
Atualmente, onde é difícil diferenciar um templo de uma loja de carros importados, e um líder religioso de um vendedor, a figura de Jesus de Nazaré ainda é central na nossa cultura para chamar o nosso povo à responsabilidade coletiva pela preservação da vida em comum. Há muitas controvérsias entre historiadores, religiosos e os diversos cristianismos sobre qual é a melhor representação de Jesus. Porém, sendo homem ou Deus encarnado na terra, sabemos que ele dedicou a sua vida a pregar aquilo em que acreditava e que provavelmente foi martirizado por isso.
O Natal é uma época do ano onde muitas mentes e corações estarão abertos a refletir sobre a vida deste palestino, que teve a coragem de caminhar por sua terra pregando, em meio a uma ocupação militar que o oprimia. Este ano, eu me encontrei (de novo) com esse Jesus e decidi seguir com ele nesta tarefa de ter coragem para lutar e disposição para estar ao lado daqueles que perecem. Que todos nós possamos iluminar as nossas mentes com este exemplo do menino palestino de Nazaré, que ainda que o consideremos como Deus, está claro que não existiu nesse mundo entre os ricos e poderosos, mas escolheu ser povo.
Para escrever esse texto eu usei a seguinte tradução da Bíblia:
BÍBLIA. Bíblia Sagrada Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Sociedade Bíblica do Brasil. Edição 4. São Paulo: SBB, 2018.
Indicação de Leitura
CHEVITARESE, A. L; CORNELLI, G; SELVATICI, M. Jesus de Nazaré: Uma outra história. São Paulo: Annablume, 2006.
CHEVITARESE, André Leonardo. Jesus de Nazaré. Rio de Janeiro: Menocchio, 2022.
Edição: Emilly Firmino
Este é uma crônica pessoal e não necessariamente representa a posição do conjunto do Movimento Brasil Popular