
Zé Dirceu esteve na Plenária Elza Soares para debater os desafios estratégicos da esquerda. Foto: Emilly Firmino
Por Caio Jardim e Vinícius Sobreira
Durante a Plenária Nacional Elza Soares do Movimento Brasil Popular, foram debatidos os desafios táticos e estratégicos da esquerda, além da construção de força social, tudo isso junto a companheiros e companheiras de movimentos populares e partidos políticos parceiras. Uma dessas contribuições foi de José Dirceu, militante histórico do Partido dos Trabalhadores (PT), que esteve na Plenária para debater os desafios estratégicos da esquerda brasileira.
Zé Dirceu, como é conhecido, já foi deputado estadual e federal pelo estado de São Paulo e ex-ministro-chefe da Casa Civil durante o primeiro Governo Lula. Mas sua participação na vida política do Brasil remonta desde, pelo menos, a década de 60, quando foi um dos líderes do movimento estudantil na luta contra a ditadura militar, e a partir da década de 80, quando constrói o processo de fundação do Partido dos Trabalhadores. Dirceu foi entrevistado sobre os desafios da esquerda nesse período. Confira como foi um pouco dessa conversa!
MBP: Zé Dirceu, você concorda com a afirmação de que a esquerda enfrenta uma crise de estratégia atualmente?
Zé Dirceu: Não. Eu diria que a esquerda enfrenta uma crise porque ela se tornou uma força minoritária no país, na disputa política-cultural, porque durante sete anos ela foi, de certa forma, reprimida. Porque o golpe contra a Dilma e a Lava-Jato foi uma repressão. E nós perdemos muito território, perdemos muito espaço na disputa política. E também pelas transformações tecnológicas no mundo do trabalho, essas formações geopolíticas no mundo, né? E pelo fortalecimento da extrema direita no Brasil também. Mas é verdade que nós estamos numa defensiva.
Apesar de nós termos conquistado o governo, com uma frente ampla, com apoio inclusive da centro-direita liberal-democrática, principalmente no Sudeste, nas grandes cidades, o governo tem muitas limitações, porque nós somos minoria, minoria mesmo, né? Nós somos 130 na Câmara e 20 no Senado, entendeu? Com muita boa vontade nós somos 150 [na Câmara] e 25 [no Senado].
Só a direita, sem o bolsonarismo, tem 300 deputados e 50 senadores, e a maioria dos governadores. Apesar de que nós ainda temos a capacidade do governo de implementar uma série de políticas em benefício da maioria dos trabalhadores, da maioria da população.
Então, a crise da esquerda é muito mais, também, a crise do PT. Porque o PT está em um processo, agora, de tentar uma renovação, tentar uma reconstrução, uma reorientação do partido, fazendo um balanço desses últimos dez anos. Para tentar retomar os territórios, retomar a formação política, renovar seus quadros, redefinir a sua estratégia política para os próximos dez anos. Porque é um outro mundo que nós vivemos, é um outro Brasil. E ajudar, inclusive, como partido político, a luta do movimento sindical, do movimento popular, a luta democrática. E manter firme sua bandeira, que não é só democrática. Principalmente, o PT é um partido socialista. Não se pode abandonar isso.
A nossa estratégia nesse momento exige um movimento de frente ampla, um movimento de defender a democracia, defender as conquistas sociais da Constituição de 88, nos defender contra o ascenso da extrema direita do mundo, do fascismo, mas não podemos perder a perspetiva de que um outro mundo é possível.
MBP: Como você tem visto esse desafio de dar um caráter mais popular ao governo Lula, e na sua opinião, quais são os caminhos possíveis para as organizações populares conseguirem construir uma frente popular que dirija a frente ampla?
Zé Dirceu: Primeiro, acho que elas [as organizações populares] têm que demandar do governo que [ele] organize a Frente Ampla como uma mesa mesmo, com suas lideranças, com propostas, com defesa do governo, mas com demandas para o governo também, com críticas, retificações.
E a frente da esquerda também. Juntem uma mesa da frente de esquerda, que todo mês se reúna, para o país ver quais são as lideranças, quem está apoiando o governo. Então não fica só o Lula, certo? Essa é a primeira tarefa.
É preciso fazer isso. Fazer, organizar, e insistir em ligar a Frente Ampla e a Frente Popular a atos públicos, a movimentos políticos, a mobilizações nacionais, a caravanas para Brasília. Atos simbólicos, festivais. Dar esse caráter popular, de massa.
Não ficar só na institucionalidade, combinar essas coisas. Se nós olharmos a experiência de outros países, como no Uruguai, a experiência de Frente Ampla é muito importante. Essa combinação da construção partidária, da luta social e da luta institucional é muito importante. Toda vez que nós perdemos esse tripé, nós nos perdemos. E somos derrotados, o que é o mais grave.

Plenária reuniu cerca de 300 militantes de todo o Brasil. Foto: Emilly Firmino
MBP: Quais são os principais desafios para a esquerda brasileira conseguir materializar uma estratégia revolucionária, hoje em dia?
Zé Dirceu: Primeiro, a unidade. Com a força que a extrema-direita e a direita têm no Brasil hoje, a esquerda precisa se unir. Ter capacidade, generosidade, humildade que dentro das diferenças, precisamos construir um programa mínimo e uma estratégia para enfrentar essa situação mundial de risco. Nós estamos vivendo uma guerra comercial, aberta, e todas as guerras comerciais nos últimos cem anos viraram guerras, né? Inclusive duas guerras mundiais. Então é preciso que a esquerda tenha consciência da força do bolsonarismo no Brasil e o risco que nós estamos vivendo com o trumpismo, com a extrema direita na Europa.
Segundo, retomar o trabalho territorial. Construir o trabalho territorial, ter sede. Renovar os seus seus quadros, a formação política e a disputa cultural na sociedade, nas redes e na cultura, na educação e na política.
MBP: Como você tem visto o Plebiscito Popular e as bandeiras de luta que ele aborda, como o tema do fim da escala 6×1, a redução da jornada de trabalho sem redução salarial e a taxação das grandes fortunas?
Zé Dirceu: É uma luz, justamente porque é uma maneira de fazer essa disputa que falei. Há muitos anos nós não temos campanhas nacionais. Foi um erro nosso, de toda a força política de esquerda, socialista, dos progressistas no país. No passado nós tínhamos: da Constituinte, das Diretas, tínhamos as campanhas sobre a dívida externa, contra a ALCA. Todos nós lembramos dessas campanhas. A grande campanha que foi feita pela reforma agrária, a nível nacional… a própria campanha da CUT, que foi feita pela greve geral.
Agora nós vamos retomar, e com essa agenda muito importante, que é a agenda contra a escala 6×1, da redução geral do trabalho sem redução salarial, e a agenda que o Lula já tinha levantado, que é os ricos no Imposto de Renda e o trabalhador no orçamento: com programas sociais, com aumento do salário mínimo, criação de emprego. E a luta contra a anistia também.
Então, acredito que é uma uma iniciativa que nós todos devemos apoiar e levar para as ruas. E que todo ano tenha uma campanha. Em cada ano, buscar um tema que mobilize e com isso também estar conscientizando, informando, disputando com os meios de comunicação, e principalmente com a direita, com o bolsonarismo, a visão sobre os problemas do país hoje.
Tem que ser um movimento que realmente vá para as ruas e para as redes e dispute a consciência do brasileiro sobre os problemas que o país está enfrentando. Os ricos estão querendo que corte da saúde, corte da educação, corte do direito trabalhista, que aumente a precarização. Que se aumente a informalidade e deixe o povo à mercê do mercado. Mas a maioria dos brasileiros é contra isso, pode ter certeza. Por isso, elegeu cinco vezes os governos progressistas, no caso, sob a liderança do Lula.
Edição: Vanessa Gonzaga