- A crise do imperialismo e a multipolaridade no cenário internacional
O cenário internacional continua marcado pela crise do imperialismo, das democracias liberais e pelo crescimento mundial da extrema-direita. A intensificação de conflitos pelo controle de territórios, governos, economias e recursos naturais evidenciam a política do imperialismo estadunidense em conter o crescimento da China e da Rússia, tentando evitar a consolidação de novos polos de poder. A constituição de um mundo multipolar, embora não resolva os problemas fundamentais do povo brasileiro, abre um horizonte para um projeto soberano de integração regional latino-americano e caribenho.
Nesse quadro internacional de crescente ampliação das desigualdades, de deterioração das condições de trabalho, de crescimento da violência e de aprofundamento da crise ambiental, é positiva a retomada e ampliação do papel político e econômico dos BRICS, como um esforço de articulação autônoma do Sul Global, de construção de um modelo de desenvolvimento alternativo ao neoliberalismo e de questionamento à hegemonia do dólar.
Os recentes golpes militares no Mali, Guiné, Burkina Faso, Níger e, mais recentemente, no Gabão chamam a atenção. Esses levantes militares cumprem um importante papel no enfrentamento ao neocolonialismo francês e à presença militar da OTAN no Sahel.
O aumento da violência política em diversos processos eleitorais na América Latina, como no Equador, e o crescimento da extrema direita na Argentina, são motivos de preocupação e sinalizam um período de instabilidade em nosso continente. Apontam para a necessidade dos governos progressistas darem um salto de qualidade no enfrentamento ao neoliberalismo em seus países, sob o risco de serem suplantados por experiências autoritárias e ultraliberais.
A política de integração regional do governo Lula e a atuação da ex-presidenta Dilma Rousseff à frente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS podem cumprir um papel fundamental no enfrentamento à dependência e na construção de um novo modelo de desenvolvimento soberano, com a superação do modelo primário-exportador e a reindustrialização o país.
2. Um novo período na luta política, mais favorável às forças democráticas e populares
Depois de oito meses do terceiro governo Lula, vivenciamos um novo momento político no país, mais favorável aos interesses das forças democráticas e populares. A vitória eleitoral de 2022 representou uma vitória política sobre as forças de extrema-direita. Embora o novo governo expresse a frente ampla das forças democráticas responsáveis pela derrota de Bolsonaro, Lula está mais à esquerda do que nos outros mandatos.
Apesar da correlação social de forças na sociedade ainda não ter se alterado de forma substantiva, e a disposição de luta da classe trabalhadora brasileira expressa no número de greves ainda ser pequena, a conquista do governo federal expressou uma mudança qualitativa. Essa alteração, possibilitou que em junho deste ano o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarasse Bolsonaro inelegível, aumentando a divisão na extrema-direita. Os recentes acontecimentos na CPI dos atos golpistas, que apresenta indícios da participação direta do ex-presidente e de parte das Forças Armadas na tentativa de golpe que culminou no dia 8 de janeiro, abrem um cenário para desgastar e combater a extrema-direita com o julgamento e condenação de Bolsonaro.
A crescente desmoralização de Bolsonaro não significa menosprezar a força da extrema-direita na sociedade e em diversos aparatos de Estado, em especial no Congresso Nacional e na condução de importantes estados, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
É tarefa das forças democráticas e populares intensificar a luta contra a extrema-direita, exigindo que Bolsonaro seja julgado, condenado e preso. Ao mesmo tempo, é preciso envolver o conjunto da sociedade no debate sobre o papel das Forças Armadas, sobre a importância da democratização dessa instituição e do fim da tutela militar sobre a democracia brasileira.
Do ponto de vista econômico, tivemos uma vitória importante, mas parcial, com o fim do Teto de Gastos, aprovado com a Emenda Constitucional nº 95, principal medida econômica implementada com o Golpe de 2016. Todavia, a aprovação do Novo Arcabouço Fiscal não conseguiu superar a lógica da austeridade fiscal e mantém limites ao investimento público. Foi uma conquista a retirada do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) dos limites de gastos previstos no arcabouço, com a vitoriosa mobilização dos setores vinculados à educação pública.
O novo marco fiscal abre uma margem para os investimentos públicos, mas coloca a necessidade de medidas que aumentem a tributação sobre o patrimônio e a renda. Esse é o caminho escolhido pelo Governo Federal, com a apresentação de medidas para taxar os super-ricos, como a tributação de fundos exclusivos e offshores, e com a segunda fase da Reforma Tributária. A taxação da alta renda, patrimônio e capital é decisiva para a política econômica do governo. No entanto, sofrerá bastante resistência do grande capital, por meio da imprensa e demais mecanismos de disputa ideológica, e do Congresso Nacional, composto majoritariamente por setores conservadores da sociedade. Por isso, é fundamental a unidade e pressão social dos partidos, dos sindicatos e dos movimentos populares em torno da bandeira da Reforma Tributária.
Mais uma frente de embate contra o grande capital é a luta pela redução da taxa de juros para patamares internacionais, que é fundamental para a retomada do desenvolvimento econômico no país. Apesar das críticas contundentes do presidente Lula e da mobilização dos movimentos populares e das centrais sindicais, a alta taxa de juros ainda é um entrave ao crescimento econômico e um mecanismo das forças neoliberais para tutelar o governo e obstruir a melhoria das condições de vida do povo brasileiro. Mesmo com a redução tímida realizada pelo Banco Central em agosto, a economia ainda segue com freio de mão puxado. É necessário intensificar a pressão popular por uma redução substantiva da taxa de juros, que deve apontar para a discussão sobre o fim da independência do Banco Central. Não há como reindustrializar o país com taxas de juros tão elevadas.
Do ponto de vista social, o governo retomou as políticas sociais, como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Mais Médicos, a política de valorização do salário-mínimo e, mais recentemente, lançou o programa Brasil Sem Fome. Essas medidas são importantes para a melhoria de vida do povo brasileiro. No entanto, o enfrentamento à violência policial contra a população negra, assim como as políticas para combater o feminicídio, demandam ações de governo e políticas sociais que têm sido insuficientes para enfrentar o patriarcado e o racismo estrutural na sociedade brasileira.
O maior desafio do Governo Lula nesta primeira fase de gestão está na área econômica. A retomada de um ciclo de desenvolvimento econômico e social é essencial para o enfrentamento político ideológico à extrema-direita e ao neoliberalismo. Inclusive, o debate programático evidencia os limites e as contradições da frente ampla, que se expressa nos meios de comunicação empresariais e no Congresso Nacional. Somente com a mudança do modelo econômico, com um projeto popular e nacional com centralidade na reindustrialização, será possível avançar com as reformas estruturais na sociedade brasileira.
O campo democrático e popular precisará incidir no próximo período em três esferas de enfrentamento. Em primeiro lugar, enfrentar a pressão do capital financeiro e dos instrumentos de disputa ideológica das forças neoliberais para restringir a margem de intervenção na economia do governo. Ou Lula consegue atuar para que o Estado seja um instrumento de crescimento econômico, geração de emprego e distribuição de renda ou seu governo fracassará. O segundo campo está no Congresso Nacional, que exige mobilização permanente das forças populares para que o governo não fique refém das chantagens da direita, apelidada de “Centrão”. O terceiro é o embate com a extrema-direita, que tem força na sociedade mesmo com o cerco a Bolsonaro e opera com outras expressões no Congresso Nacional e nos governos estaduais, como Tarcísio de Freitas em São Paulo e Romeu Zema em Minas Gerais.
3. Os desafios das forças democráticas e populares!
O novo governo Lula é uma janela histórica para o campo democrático e popular acumular forças, depois de anos de ofensiva da direita e de baixa capacidade de resistência dos partidos de esquerda, e dos movimentos sindicais e populares.
Consolidar a Frente Popular de esquerda é fundamental para o combate ao neofascismo e para incidir em um governo de frente ampla, impulsionando um programa de transformações sociais que enfrente os problemas emergenciais do povo brasileiro. Para isso, é urgente a retomada da iniciativa política por parte das forças populares e o fortalecimento de espaços unitários que defendam um programa de reconstrução nacional e de superação do neoliberalismo. É preciso aproveitar o atual momento histórico para que o povo brasileiro entre em campo como protagonista das grandes transformações em nosso país. É a mobilização das massas populares que pode alterar a correlação de forças na sociedade e contribuir para a construção de um projeto popular para o Brasil.
Para isso, elencamos cinco desafios para as forças democráticas e populares no próximo período:
1. Combater a extrema-direita com Bolsonaro na cadeia! É preciso impor uma derrota estrutural ao bolsonarismo. É hora intensificarmos a ofensiva contra a extrema-direita, estimulando ações de agitação, propaganda e mobilizações de massa para que Bolsonaro seja julgado e condenado por seus crimes contra a democracia e o povo brasileiro.
2. É preciso taxar os super-ricos! Sem aumentar a arrecadação federal, a política econômica do Governo Lula ficará subordinada à lógica da austeridade fiscal. Por isso, é necessário realizar uma ampla disputa na sociedade sobre o papel do Estado como indutor do crescimento econômico e pressionar o Congresso Federal para aprovação de uma Reforma Tributária progressiva sobre o capital, a renda e o patrimônio.
3. Reduzir a taxa de juros e reindustrializar o Brasil! Para mudar o modelo de desenvolvimento econômico, é decisivo reindustrializar o país, gerando empregos de qualidade, ambientalmente sustentáveis e melhorando as condições de vida do povo brasileiro. A taxa de juros continua sendo um entrave para o investimento público e privado no setor produtivo. Sem a redução dos juros, o país continuará dependente do modelo primário-exportador.
4. Fortalecer a organização popular e o trabalho de base nos territórios por meio dos comitês populares! A vitória de Lula retomou no povo brasileiro a esperança de um país mais justo. É preciso estimular experiências de organização popular, trabalho de base e solidariedade nos mais diversos territórios do país. Somente com o povo organizado será alterada a correlação de forças na sociedade e disputar os rumos do país.
5. Conquistar vitórias nas eleições municipais de 2024! As eleições municipais do próximo ano serão um termômetro da luta de classes no Brasil. Serão essenciais para alterar a correlação institucional, construindo condições mais favoráveis para o avanço de um projeto de transformações sociais. Para isso, é preciso que o campo democrático e popular imponha uma derrota à direita e à extrema-direita, ampliando suas bancadas nos parlamentos municipais e retomando o governo nas capitais e em médias cidades.
Essas tarefas só serão possíveis com uma intensa disputa ideológica e programática, com mobilização popular e, sobretudo, com a confiança de que o povo brasileiro é o sujeito das grandes transformações sociais no país. Nesse processo, é necessário acumular forças para abrir um cenário para as transformações estruturais do projeto popular para o Brasil.
A luta do povo é nosso lugar!
Movimento Brasil Popular