Milei pretende representar um novo rosto na política, mas que se utiliza de velhas e conhecidas fórmulas/ Foto: Reprodução/Instagram
Por Giovani del Prete, militante do Movimento Brasil Popular
Após ficar em segundo lugar no primeiro turno das eleições argentinas, o economista Javier Milei concorre à presidência da Argentina contra o candidato governista, Sérgio Massa. Conhecido por seus bordões – o mais famoso “viva la libertad, carajo” – e por seu cabelo bagunçado, que o próprio Milei diz ser penteado pela mão invisível do mercado, este personagem lidera um movimento político que desafia estruturas profundas da sociedade Argentina, como o peronismo, a democracia e a defesa da justiça social.
Com um discurso agressivo e direto contra o que classifica a “casta política” e catapultado midiaticamente nos últimos cinco anos através das redes sociais, participação em programas televisivos ou com sua peça de teatro “O Consultório de Milei”, onde faz piada com a economia Argentina das últimas sete décadas, Milei lidera o movimento La Libertad Avanza (LLA).
Em 2021, foi eleito deputado federal junto com outros integrantes de seu grupo, entre eles Victoria Villarruel, que compõe a atual chapa presidenciável da LLA como candidata à vice-presidência. Villarruel ficou conhecida nacionalmente por criar e liderar uma associação civil que tem como objetivo de visibilizar “as mortes provocadas pelas organizações armadas argentinas durante a década de setenta”, ou seja, uma espécie de Comissão Nacional da Verdade às avessas, fabricada para criminalizar a resistência armada contra a última ditadura cívico militar argentina, responsável pela desaparição de ao menos 30 mil argentinos.
Entre as principais propostas do grupo, estão o fechamento do Banco Central, a dolarização da economia e o fim de muitos ministérios, como os da Educação, Cultura, Meio Ambiente, Mulheres e Diversidade. Além disso, outras promessas constam na lista do binômio Milei-Villarruel, como acabar com a Lei de Interrupção Voluntária de Gravidez (aborto), aprovar a venda de órgãos humanos e permitir o porte de armas para toda a população.
Javier se identifica como um anarco capitalista e libertário, com o propósito de explodir as estruturas dos últimos 100 anos da política argentina, mobilizando uma narrativa saudosista de que irá recuperar o país da crise econômica e (re)fazer da Argentina uma potência mundial nos próximos 35 anos, assim como foi o país na virada do século XIX para o XX. Como não poderia deixar de ser, Ludwig von Mises e Friedrich Hayek são parte fundamental do pensamento de Milei, ao lado de Murray Rothbard (um dos grandes ideólogos e fundador do Partido Libertário dos Estados Unidos).
As propostas de Milei conseguiram penetrar nas camadas mais populares da Argentina, algo que parecia improvável há poucos anos atrás. Afinal, dizer em frente as câmeras que ele recorre à uma médium para conectar-se ao seu cachorro falecido para pedir conselhos, ou dizer que o Papa Francisco é “imbecil” e “um enviado do Satanás”, ou que a “justiça social é injusta” são todas afirmações anti populares. Porém, assim como Bolsonaro em 2018, Milei capitaneia o voto dos descontentes com a política, no estilo “gente como a gente”, que encarna o descontentamento com a situação do país que beira uma inflação e uma taxa de juros de 140% nos últimos 12 meses.
A popularidade de Milei se caracteriza por seu estilo radical, de quem briga contra o sistema e parece ter coragem para mudar as coisas. Porém, basta observar a correlação de força da LLA no parlamento e outros postos de comando do país para perceber que o projeto anarcocapitalista não tem vida fácil. Neste 22 de outubro, a LLA possui 8 das 72 cadeiras do senado, 39 das 257 vagas de deputados federais e nenhum governo estadual. Ao articular suas ideias com a realidade, é evidente que Milei pretende representar um novo rosto na política, mas que se utiliza de velhas e conhecidas fórmulas. Se eleito, tentará colocar em marcha um programa econômico ultraliberal, que tende a aprofundar a crise econômica e social argentina.
A dolarização e a eliminação de políticas sociais tornará o país mais caro e desigual para os próprios argentinos, além de rifar a soberania do país ao terceirizar a política econômica argentina para os Estados Unidos, que é quem emite dólares e define suas respectivas taxas de juros através do Federal Reserve (Banco Central dos EUA).
Internacionalmente, a fórmula Milei-Villarruel mostra simpatia e recebe apoio das famílias Trump, Bolsonaro e Musk. Além de ter uma visão geopolítica de alinhamento com os Estados Unidos e Israel e de cortar laços comerciais com Brasil, China e Rússia, países que são como comunistas em sua leitura. Ou seja, é evidente o projeto de subordinação ao imperialismo estadunidense ao passo que dinamita qualquer possibilidade de integração regional ou do tipo Sul-Sul, como é o caso dos BRICS+, que conta com a recente incorporação da Argentina no bloco que desafia as estruturas da antiga Ordem Mundial forjada no pós segunda guerra mundial.
Fato é que o povo argentino está mergulhado em uma crise econômica e social, que marca 40% da população na pobreza e que desde de março deste ano atingiu os três dígitos de inflação e de lá pra cá só aumenta. Em 19 de novembro, no segundo turno, ganhará o candidato que convencer o povo de que vai resolver estes problemas. Seguramente Milei floresce no cenário de desespero e desesperança, daí a importância de Sérgio Massa fazer o chamado à união nacional neste segundo turno, para conformar um governo de frente ampla para cuidar do povo argentino. Até parece que o candidato peronista tem escutado e estudado o Brasil de 2023. Que assim seja!