Artigo | Para entender a vitória de Trump nos EUA

“A pressão sobre nossas instituições, em especial o STF, será enorme, o que pode acarretar em não prisão de Bolsonaro”
Foto: Alan Santos/PR

Texto de Fabiano Sousa, militante Movimento Brasil Popular

Depois de meses de campanha, com reviravoltas inesperadas e até desistências na corrida presidencial, os Estados Unidos da América voltarão a experimentar tempos difíceis no segundo governo de Donald Trump.

A vitória de Trump foi arrasadora, coisa que a grande maioria das pesquisas eleitorais não detectaram. Claro, elas apresentaram tendência de alta de Trump, mas não de certeza de vitória, como aconteceu, e ainda mais na proporção que foi. Ele venceu em todos os chamados swing-states: Arizona e Nevada (de forte presença Hispano-americana) e os importantes estados da Geórgia e Carolina do Norte (estados do sul de maioria branca, mas de forte militância do movimento negro) e o chamado “Cinturão da ferrugem:” Wisconsin, Michigan e a Pensilvânia (de trabalhadores brancos de classe média baixa). 

Além disso, nas últimas eleições a diferença no voto popular era de até 3 milhões de votos e Trump perdeu neste quesito em 2016. Dessa vez não. A diferença deve ficar acima dos 5 milhões no voto popular a favor de Trump. Foi uma derrota acachapante sem sombra de dúvidas. 

O velho slogan político-eleitoral “É a economia, estúpido” – usado pelos estrategistas da campanha de Clinton em 92 – valeu também para a eleição de ontem. O governo Biden mostrava ao público números positivos na economia, a exemplo da diminuição do desemprego e crescimento econômico, mas que não se fazia presente na “economia real” e cotidiana do “americano comum”. A inflação relativamente alta para padrões americanos, em especial de produtos de primeira necessidade e aluguéis e os juros altos foi um dos, se não o principal fator nestas eleições. As pesquisas de boca de urna demonstram isso. 

Tem se observado também que Trump conseguiu um pequeno, mas perceptível avanço no número de votos em setores aparentemente avessos à ele, como hispânicos, mulheres, jovens e até muçulmanos em áreas urbanas pela primeira vez desde 2016. Portanto, o fator ideológico, a “guerra cultural”, continua em grande favor à extrema direita. O lema MAGA,  Make Great American Again é um forte e poderoso movimento político nos EUA, bem maior do que o Partido Republicano e que, junto a discursos ideológicos do passado, como o American Dream, e os da atualidade, de um EUA “maior potência” de novo conquistou amplas massas do povo norte-americano. 

Percebemos também que uma parte considerável de eleitores democratas não foram votar. Isso pode ter a ver com a decepção destes com o apoio americano à guerra genocida de Israel na Faixa de Gaza. O que ocorreu com o “Green New Deal”? O potencial que se mostrava de grande transformação da economia americana ficou só no papel.

A despeito do que se fala até entre a esquerda, não é verdade que Trump não apresentou um programa para o povo estadunidense. Podemos até duvidar de sua viabilidade, mas ele prometeu: Reindustrialização, super taxação de produtos estrangeiros (em especial os chineses), diminuição dos impostos e combate à inflação, novo programa de saúde, acabar com o imposto de renda sobre gorjetas, horas extras e benefícios da previdência, são alguns dos pontos que reconquistaram os americanos de média e baixa renda em especial. Ou seja, uma pauta concreta e palpável aos olhos de qualquer eleitor. 

Mas sem dúvidas o mote de campanha de Trump foi a expulsão em massa dos cerca de 11 milhões de imigrantes ilegais que se cogita existir nos EUA hoje. A proposta atraiu bem mais gente de seu “antigo” eleitorado de 2016, como também aqueles que nunca se viram como Democratas ou Republicanos. 

A virulência do discurso trumpista se aproximou e muito do nazi-fascismo: “Vermes”, “criminosos”, “terroristas”, “canibais”, “comedores de pets”, estes foram alguns dos termos utilizados por Trump. Qualquer semelhança com Hitler e Goebbels não é mera coincidência. Ele promete até retirar a cidadania de filhos de imigrantes ilegais nascidos nos EUA. Como se daria essa “deportação em massa” de imigrantes? Quais as respostas e conflitos irão gerar na sociedade norte-americana? 

Não sabemos ao certo, mas acreditamos que Trump tentará utilizar isso em seu favor, mobilizando uma massa de eleitores seus ansiosos pela adoção desta política. Nem precisamos falar aqui do muro na fronteira com o México e como se daria o “fechamento do país”.

Trump também terá o controle do Senado, e ao que tudo indica, da Câmara, além do apoio da maioria dos governadores e da maioria superconservadora da Suprema Corte. O que preocupa é o forte apoio em massivos setores da sociedade americana, incluindo grupos armados em formato de milícias, fazendo de Trump um candidato fácil à ditador. Mas não acreditamos em autogolpe ao estilo “pronunciamiento”. O fascismo na Itália ou o Nazismo na Alemanha ou mesmo na atual Hungria de Orbán isso não ocorreu dessa forma. 

Mas, sem dúvidas, além da questão da expulsão dos imigrantes ilegais, temas como porte e uso recreativo da maconha, o desrespeito completo aos problemas ambientais e outros temas ligados aos direitos das mulheres, LGBT’s, negros e negras estão seriamente ameaçados, podendo levar o país à lutas similares à 2020, podendo também, levar o país a convulsionar, onde um presidente com amplos poderes poderia se utilizar de um “estado de emergência”. Tudo isso são hipóteses, mas não tão inverossímeis como pareceria até pouco tempo.

A política externa trumpista pode ser definida em algumas ideas básicas: “Dane-se” a Ucrânia; Europa, se submeta totalmente aos meus ditames se não “dane-se OTAN”; Apoio incondicional e aprofundamento do genocídio israelense na Faixa de Gaza e apoio ao plano de Netanyahu de um “novo” Oriente Médio. Porém, Trump terá que pensar duas vezes quanto à uma possível guerra contra o Irã, já que não interessa a ele a explosão dos preços do petróleo, que significa uma maior inflação para os EUA); 

Para ele, “dane-se” também a falsa aparência do multilateralismo dos Democratas, por tanto, ONU, G-7, G-20, Acordo de Paris ou que se curvem em obediência incondicional ao governo Trump; Venezuela e Cuba continuarão com forte embargo. Os EUA viram se enfraquecer muitas antigas alianças mundo afora e há uma clara redução dos ganhos com suas parcerias econômicas, por isso, a América Latina será um último front da luta contra sua evidente decadência nos últimos anos. 

E claro, temos a retomada da trumpista da guerra comercial com a China. O problema aí é que a China detém hoje, TODA a rede de cadeia industrial de suprimentos: desde microchips e celulares, à qualquer tipo de material de produção de fonte energia. Há forte dependência dos EUA neste setor da economia. O primeiro mandato de Trump mostrou que a China não pode ser combatida facilmente. O que Trump fará de novo? Até agora ele só disse mais do mesmo.

E por fim, chegamos finalmente ao Brasil, que estará nos próximos anos sob forte pressão político-diplomática por parte dos EUA. A pressão sobre nossas instituições, em especial o STF, será enorme, o que pode acarretar em não prisão de Bolsonaro, como até a reversão de sua inelegibilidade, além de atiçar a extrema direita brasileira como nunca. Sim, eles tem muitos motivos pra comemorar. Convocações à manifestações, e a preparação para 2026 estarão à todo vapor. O risco de um país convulsionando nos próximos dois anos é muito mais real com esta vitória nos EUA.

Por isso, a nossa política externa deve fazer uma rápida, mas sobretudo forte correção de rota. Não só sobre a sua “nova relação” com a Venezuela ou sobre a adesão à proposta chinesa de sua “Rota da Seda”, mas sobre: Reivindicação de cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, a própria supervalorização da ONU e do G-20, isso é, na falta de uma melhor expressão: Pura fantasia. 

Esse mundo acabou. O Governo Lula tem que “dar a nova linha” ao Itamaraty o quanto antes. E claro, o “É a economia, estúpido” que levou à vitória trumpista nos EUA, tem que ser levado muito à sério pelo Governo Lula. Se o nosso povo não sente na vida real as constantes notícias de melhora dos indicadores econômicos, ele acreditará que o governo está lhe “enganando”. A persistente inflação dos alimentos, aluguéis, gás de cozinha, combustíveis e um salário que cresce muito lentamente, mas não o suficiente para o cada vez maior custo de vida do povo podem custar muito caro em 2026. 

Ajuste fiscal em 2025 para “gastança” e “uso da máquina” em 2026, para ganhar votos, como feito no passado? Se essa é a estratégia, isso tem cara de que vai dar muito errado. O povo não é bobo. Por isso, uma correção nos rumos da condução da economia brasileira – que tem que avançar para além da política de reindustrialização –  é não só prudente, mas decisiva.

*Este é um artigo de opinião pessoal e não necessariamente representa a posição do conjunto do Movimento Brasil Popular.