
“Nos nove dias de ocupação, construímos uma intensa programação e reforçamos que só a luta muda a vida”. Foto: Comunicaão MBP
*Texto de Gisele Maia e Vinícius Moreno, militantes do Movimento Brasil Popular em Minas Gerais
Foi na madrugada do dia 23 de agosto, em local alto e com muito vento, que o povo transformou sua indignação em ação direta ocupando um prédio público há muito tempo parado, o antigo Centro de Saúde do bairro Mariano de Abreu, na região leste de Belo Horizonte.
Com o lema “A prefeitura largou, o povo ocupou”, dizemos para o poder público: “Chega de enrolação, queremos cozinha, cultura, educação”. Nos nove dias de ocupação, construímos uma intensa programação e reforçamos que só a luta muda a vida. Em homenagem à lutadora histórica do bairro Mariano de Abreu, Marizete Amaral Leão, reafirmamos que a luta próspera gera organização.

Ocupamos o espaço abandonado há quase quatro anos, reivindicando que o imóvel cumpra uma função social e melhore a vida da comunidade, abrigando a cozinha Popular do Bairro Mariano de Abreu e sendo um espaço para realização de atividades culturais, educativas e de lazer.
No processo de construção da luta, realizamos diálogos com a comunidade, criamos abaixo-assinado, ação judicial e reuniões com o Poder Executivo local, que não surtiram efeito. Assim, a ferramenta da ocupação foi identificada como forma de exigir uso para o espaço: pressão popular como método de transformar a realidade local tendo conquista concreta, educando a classe trabalhadora e fortalecendo a organização.
O bairro Mariano de Abreu tem um histórico de construção coletiva desde de seu surgimento, em 1985. A população atingida por uma enchente em Belo Horizonte foi transferida para o bairro e recebeu da Prefeitura um local para construir suas casas sem infraestrutura, tendo somente o fornecimento de ferramentas para construção. A comunidade precisou então contar com a solidariedade popular e trabalho coletivo para construir suas casas e suas histórias de vida até hoje.
A inserção do Movimento Brasil Popular no território se deu através de um processo de construção da memória coletiva do bairro a partir da realização de uma turma de Agentes Populares em parceria com o Laboratório de Estudos Urbanos e Metropolitanos (Lab Urb), da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No projeto, pudemos trabalhar a visão de mundo da população sobre o local e as transformações no bairro em seus 40 anos de História.
O encerramento do projeto foi um momento de virada no trabalho de base, representando o fim de um ciclo e o início de um novo momento de organização popular, marcado pela identidade coletiva e desejo de mudança. Assim, em agosto a construção de uma luta local marcou a história do Movimento Brasil Popular, permeada pela solidariedade ativa, ação direta e luta comunitária que nos animam a concretizar o sonho de constituir uma organização nacional, urbana e de massas no Brasil.
Cada dia vivenciado na cozinha, na participação coletiva, nas assembleias do bairro, nas atividades culturais e na ciranda deram o tom da construção da luta popular. Realizamos roda de conversa de mulheres, atividades para as crianças, oficinas e assembleias da comunidade, marcadas por bons debates, carinho, afeto e alimentos da reforma agrária. Os dias eram sempre iniciados com a plenária da ocupação, avaliação do dia anterior com muito companheirismo e cuidado coletivo para o dia que viria.

Panfletagem, carro de som e conversa no bairro convocaram a comunidade para se somar nas tarefas. Logo na entrada, revitalizamos o espaço abandonado com capinação, limpeza, e ornamentação da simbologia de luta. A ocupação foi um espaço de responsabilidade coletiva e de resgatar a memória de um espaço tão importante para comunidade. Cada pessoa que ali entrava, lembrava de quando o espaço era vivo e quem atendia em cada sala, elementos muito reforçados nas assembleias da comunidade.
A contribuição do Levante Popular da Juventude e do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), foi essencial na construção da ocupação e aprendizado coletivo. Cada tarefa apresentava um desafio, que apontava a necessidade de caminhar no objetivo de desenvolver a luta. Nos encontramos no lugar da luta do povo e apresentamos ali nosso papel enquanto movimento organizado que quer construir o projeto popular.
A conquista foi maior que o planejado. Reivindicamos lugar para a Cozinha Popular e saímos com a reativação de espaço abandonado para funcionamento do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) em local mais amplo e de melhor estrutura física que o imóvel anterior, a ampliação e reforma da Academia da Saúde, além da vitória de ter espaço físico para abrigar a Cozinha Popular Mariano de Abreu.
A experiência e vitória popular só vieram através da combinação das formas de luta a partir da ousadia, necessidade de educar as massas e experimentar a militância em ações diretas, podendo fazer a disputa de ideias, a atuação institucional e a construção da frente social.
Como traz o canto de Dorothy Marques “antonce se a gente veve lutando antonce a gente deve se arreuni”.
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a posição do Movimento Brasil Popular