Dilemas da Humanidade: Para pensar o presente e fortalecer as lutas no Sul Global

O encontro contou com a participação de mais de 70 intelectuais, lideranças partidárias e militantes políticos de diversas partes do mundo. Foto: Priscila Ramos

Texto de Nonato Nascimento, militante do Movimento Brasil Popular

Entre os dias 07 e 10 de abril de 2025, aconteceu, no auditório do SESC Pompéia, em São Paulo, o evento “Dilemas da Humanidade: Perspectiva para a Transformação Social”, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Assembleia Internacional dos Povos (AIP) e Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. O encontro contou com a participação de mais de 70 intelectuais, lideranças partidárias e militantes políticos de diversas partes do mundo. O objetivo central foi discutir os desafios do tempo presente e debater os sentidos do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e das falsas soluções do neoliberalismo, com um enfoque no Sul Global.

O “Dilemas da Humanidade” possibilitou reunir a intelectualidade orgânica da classe trabalhadora para refletir sobre problemáticas comuns aos povos, debater os reais significados do aumento da pobreza, da fome, das desigualdades e da crise ambiental em curso. Um dos aspectos importantes desse processo reflexivo consiste em sua proposta prática, ou seja, impulsionar plataformas e alianças necessárias, em escala global, para impor derrotas ao capitalismo e ao imperialismo. Essa é a tarefa central hoje para aqueles que estão na linha de frente das lutas contra a financeirização da economia e dos recursos naturais. É urgente e necessário retomar o campo da Batalha das Ideias para disputar mentes, corações e territórios. Para que essas iniciativas sejam vitoriosas e ganhem força, a militância socialista precisa cultivar, em todos os espaços coletivos e de ação direta da classe, o princípio do internacionalismo e da solidariedade de classe, enquanto herança histórica da luta contra a barbárie do imperialismo.

A dirigente política do Partido Socialismo e Libertação dos EUA, Claudia De La Cruz, provocou a militância a manter a esperança em meio ao caos e a retomar os sonhos da classe trabalhadora e dos espaços de educação de massa. É na materialidade da vida e nos desafios impostos aos povos, em meio às contradições geradas pelo sistema capitalista, que a tática comunista é ajustada e projetada como solução coletiva. Estamos diante de uma profunda mudança de época, e nós, do Sul Global, temos tarefas inegociáveis que precisam entrar na ordem do dia de nossas organizações populares, em defesa da soberania nacional e do desenvolvimento como base necessária para a construção do socialismo.

É urgente a retomada de territórios e a construção de espaços para a educação das massas, a fim de refletir sobre seu cotidiano, falar da ausência de direitos, das desigualdades e da fome, dos dilemas do país e do Sul Global, com o objetivo de organizar o povo e criar sentimentos de identidade e pertencimento a uma proposta que tenha como referência a dignidade humana e a soberania nacional — decisivos para estabelecer conexões com as diversas lutas de resistência no Sul Global. Precisamos mirar no exemplo prático do Partido Comunista da China (PCCh), que travou uma luta necessária para a erradicação da extrema pobreza e retirou 100 milhões de pessoas dessa condição. Temos esperança, temos horizonte, precisamos ser fermento na massa e desenhar nosso futuro com nossas características e identidade, oferecendo à classe trabalhadora a possibilidade de sonhos reais.

Os debates durante a plenária apontaram para a necessidade de retomar a teoria da dependência, de autores como Ruy Mauro Marini, Vânia Bambirra, Celso Furtado, entre outros, que contribuíram com análises fundamentais para compreender e interpretar a realidade do subdesenvolvimento nos países periféricos do capitalismo. Só é possível avançar na política de alianças para enfrentar a barbárie do imperialismo se compreendermos o papel que o Sul Global ocupa nesta quadra histórica, impulsionando, nas realidades nacionais, políticas de industrialização ou reindustrialização. Essas são bases necessárias para sustentar a soberania nacional e a defesa dos recursos naturais.

Os dilemas que persistem no Sul Global têm sua origem na intensificação da exploração e no papel que o imperialismo estadunidense desempenha ao operar de forma bélica, desestabilizando governos populares e democráticos com sua política de guerra de baixa intensidade, tratando a região como quintal de seus interesses. É preciso que nossa militância volte a percorrer os caminhos e as veias abertas da América Latina para compreender o papel do imperialismo estadunidense na desestabilização de iniciativas de integração regional, como a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), e o potencial de enfrentamento que o BRICS apresenta para a desdolarização das economias nacionais.

O relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo” (SOFI), das Nações Unidas, apontou que cerca de 733 milhões de pessoas passaram fome em 2023. Diante desse contexto, os capitalistas não apresentaram soluções, mas continuaram sua saga destrutiva, rebaixando salários, mercantilizando e privatizando direitos sociais. A fome continua sendo um dilema da humanidade, e a burguesia financeira não tem interesse em erradicá-la. Como afirmou Carolina Maria de Jesus: “Quem inventou a fome são os que comem” — são aqueles que acumulam, exploram e colocam a classe trabalhadora em situações de profunda desigualdade.

Uma das tarefas urgentes para o conjunto das organizações populares é debater o impacto econômico, político e cultural das falsas soluções apresentadas pelo capital, por meio de agendas de desenvolvimento que visam apenas atender aos interesses da financeirização da economia e ao roubo sistemático dos recursos naturais. Nós, povos do Sul Global, precisamos fortalecer as iniciativas de resistência, libertação e construção de novas alianças na região para enfrentar o neocolonialismo do nosso tempo histórico. O camarada Vijay Prashad chamou nossa atenção para um retorno profundo e necessário à teoria marxista, a fim de interpretar nossos dilemas contemporâneos e ter clareza do nível da luta de classes e de seu desdobramento na realidade nacional. O abandono do materialismo histórico-dialético como método de análise afeta diretamente a capacidade de projetar alternativas e mobilizar as forças vivas da classe trabalhadora.

É fundamental que nossa intelectualidade orgânica esteja a serviço da defesa da soberania nacional, da questão nacional e do papel dos recursos naturais para o desenvolvimento, bem como da compreensão de como as forças imperialistas operam para desestabilizar as forças democráticas e as organizações populares que se colocam na tarefa histórica de construir um projeto de nação. O marxismo segue sendo um aporte necessário para interpretar os dilemas de nossos dias.

O encontro abordou diversos temas, apresentados por companheiros e companheiras que discutiram aspectos nacionais e internacionais. É preciso que as organizações populares e políticas tenham a capacidade de interpretar o quadro da luta de classes na realidade nacional e apresentem à classe trabalhadora seus principais inimigos. Estamos em um momento de construção do novo que ainda não se apresentou, mas que está sendo gestado. É preciso que a classe organizada se coloque como parteira do novo — do socialismo!

Diante do imperialismo estadunidense e sua ofensiva bélica e genocida contra o povo palestino, é necessário consolidar frentes de luta em solidariedade e defesa da autodeterminação dos povos e de suas formas de resistência. O “Dilemas da Humanidade” apontou que temos uma janela histórica aberta e precisamos apostar em processos de integração no Sul Global, fortalecendo iniciativas que tenham como conteúdo a defesa da soberania nacional, da industrialização e da retomada dos direitos sociais da classe trabalhadora.

Muitas são as tarefas das organizações populares do Brasil para impor derrotas ao capital e às forças reacionárias da extrema-direita. O Plebiscito Popular é uma oportunidade para acumular forças e dialogar com os interesses da classe trabalhadora. É um momento histórico para debater com a sociedade brasileira que os interesses das elites econômicas e políticas intensificam a exploração dos trabalhadores e aprofundam desigualdades históricas. As principais bandeiras do plebiscito são: a redução da jornada de trabalho sem redução de salários, o fim da escala 6×1 para os trabalhadores, e a tributação de quem ganha mais de R$ 50.000,00 mensais. Essas bandeiras de luta refletem os dilemas enfrentados no país e demonstram o nível de precarização ao qual a classe trabalhadora é submetida.

Creio que o “Dilemas da Humanidade” foi um porto seguro vermelho para que a intelectualidade orgânica da classe trabalhadora retome seus territórios nacionais e impulsione lutas, reflexões e organização dos/as trabalhadores/as. Entre os desafios apontados durante os quatro dias, fica evidente que a solução é coletiva, e que precisamos avançar na combinação entre as lutas de interesse nacional e as lutas internacionalistas, que possibilitem sentimento de pertencimento e identidade aos povos do Sul Global. A ALBA Movimentos e a Assembleia Internacional dos Povos têm sido esse espaço coletivo que movimentos populares e partidos vêm construindo no último período, com o objetivo de fortalecer as lutas de resistência e construir agendas comuns em escala global. É importante destacar que esses espaços têm forjado uma militância política profundamente engajada na luta pelo socialismo.

A certeza que temos é que o sistema não pode roubar os sonhos daqueles e daquelas que se colocam na coluna do Exército do Povo, que ousam construir alianças para impor derrotas ao neocolonialismo e ao fascismo. As bandeiras das lutas em defesa da vida, dos territórios e do planeta estão tremulando nas ruas, nas periferias e no campo, em todo o Sul Global. Nossa tarefa histórica é construir essas lutas no cotidiano e apontar o socialismo como caminho — com nosso rosto indígena, negro e popular.

Este é um artigo de opinião pessoal e não necessariamente representa a posição do conjunto do Movimento Brasil Popular

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