Artigo | 25 de Julho: Mulheres negras na luta, organizando a resistência e pelo direito à participação política

A data possibilita resgatar a história da mulher negra no Brasil. Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Texto de Rakell Rays, do Setor Nacional de mulheres do Movimento Brasil Popular

“Enquanto a questão negra não for assumida pela sociedade brasileira como um todo: negros, brancos e nós todos juntos refletirmos, avaliarmos, desenvolvermos uma práxis de conscientização da questão da discriminação Racial neste país, vai ser muito difícil no Brasil, chegar ao ponto de efetivamente ser uma democracia Racial.” Citação de Lélia Gonzalez 

Desde 1992 as lutas e conquistas das mulheres negras de toda a América Latina e Caribe possuem como data representativa o dia 25 de julho, uma dia que simboliza o combate contra o racismo, sexismo e o machismo que oprime e desconfigura a humanidade e o acesso à cidadania das mulheres. As mais de 300 representantes de 32 países partilhavam realidades similares, diagnosticadas ao compartilharem suas vivências, realizarem denúncias as opressões e debaterem propostas de soluções possíveis, exemplificando o que disse Angela Davis, “quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.

O dia remonta ao I Seminário Internacional de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, realizada na cidade de Santo Domingo, na República Dominicana, no qual pautavam e refletiam sobre as múltiplas e interseccionais opressões contra as mulheres negras, dialogando, refletindo e discutindo temas e estratégias de lutas com proporções transnacionais, com o objetivo de construir e consolidar projetos de políticas públicas que contribuíssem para a diminuição e fim das desigualdades. Partindo desse encontro nasceu a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-Caribenhas que junto à Organização das Nações Unidas (ONU) lutou para o reconhecimento do dia 25 enquanto uma data de luta relevante internacionalmente.

No Brasil essa data possui uma dupla representação em importância desde 2014, quando durante o mandato da presidenta Dilma Rousseff, foi instituída a Lei 12.987, que define o dia 25 de Julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. A homenagem a Tereza de Benguela é para destacar oficialmente as formas de resistência auto-organizativas das mulheres negras. 

Tereza de Benguela foi líder do Quilombo de Quariterê, também chamado de Quilombo do Piolho. Sua liderança reconhecida e destacada após a morte de seu companheiro, José Piolho, é ressaltada pela organização participativa da comunidade que abrigava negros e indígenas, segundo as documentações oficiais. Sob o seu comando, o quilombo localizado no Vale do Guaropé (MT) realizava transações comerciais, possuía estruturas de proteção de defesa militar, sistema de autogestão de trabalho, alimentação e cidadania que promovia a igualdade entre homens e mulheres de grupos étnico-raciais diversos existentes naquele território, a base desse sistema possibilitou que o quilombo resistiu-se até o final do século XVIII, mesmo após a captura e morte de Tereza em 1770.

A data possibilita resgatar a história da mulher negra no Brasil. Um histórico marcado pela luta, resistência e direito à participação política na busca ativa pela construção de um projeto de comunidade e nação combatentes das diversas formas opressoras.

Com base nessas caminhadas de lutas surgiu o Julho das Pretas. Um audacioso e importante projeto criado em 2013 pelo Instituto Odara, em Salvador, Bahia. Enquanto um estratégia importante para combater o racismo, o sexismo, informar e formar a base da nossa população em uma perspectiva antirracista, a iniciativa objetiva celebrar as lutas e conquistas das mulheres negras, promovendo uma conscientização sobre a importância de estarmos atentos a necessidade de projetos locais e nacionais que não inviabilizem a existência, as dores e resistências das mulheres negras contra o racismo, o patriarcado e demais violências que afetam 28% do total da nossa população, segundo o informe da 2° Edição de Monitoramento e avaliação Mulheres Negras realizada pelo MIR 2023.

Neste ano, os diálogos e movimentações tornaram-se ainda mais aguerridas visto a preparação para a 2° Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver. Também denominada de 2° Marcha Nacional de Mulheres Negras, a projeção dessa atividade é juntar cerca 1 milhão de mulheres negras de todos os estados, regiões e diversos territórios do país em 25 de novembro de 2025, em Brasília (DF). Um marco de 10 anos após a 1° Marcha que contou com a participação de mais de 50 mil mulheres negras das 5 regiões do país marchando contra o racismo, a violência e pelo bem viver que entreganram nas mãos da presidenta Dilma Rousseff a Carta das Mulheres Negras.

Desde o mês de março, dentro das programações do Março de Lutas – 2024 ocorreu o lançamento oficial com atividades em diversos territórios no país, onde mulheres negras adolescentes, idosas, adultas, lésbicas, transgêneros, de axé, mulheres negras das florestas e das águas, quilombolas, moradoras das favelas, dos bairros periféricos, das palafitas, de povos tradicionais, em situação de rua, sem teto, estudantes, profissionais do sexo, artistas, extrativistas, artesãs, agentes de pastorais, pastoras, ativistas, professoras, pescadores, e muitas mais, foram convocadas a se articularem em seus municípios, estados e regiões.

Atualmente a composição do comitê que impulsiona a marcha possui as Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), o Fórum Nacional de Mulheres Negras, Rede de Mulheres Negras do Nordeste e Rede Fulanas – Negras da Amazônia Brasileira.

Nesse momento as atividades do Julho das Pretas e a organização dos Comitês Regionais estão sendo estruturadas e abertas a ampla participação de todos que querem somar para uma sociedade mais igualitária e diversa em seus modos de existir e viver.

E reafirmando o que disse Lélia González, “ao reivindicar nossa diferença enquanto mulheres negras, enquanto americanas, sabemos bem o quanto trazemos em nós as marcas da exploração e da subordinação racial e sexual. Por isso mesmo, trazemos conosco a marca da libertação de todos e todas. Portanto, nosso lema deve ser: organização já!”

Este é um artigo de opinião pessoal e não necessariamente representa a posição do conjunto do Movimento Brasil Popular

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