O Bolsa Família está completando 20 anos. Uma das políticas públicas mais bem-sucedidas do Brasil, premiada mundialmente. Hoje até grupos neoliberais, como o Livres, reivindicam a paternidade do programa.
Destruindo os mitos neoliberais
Nós lembramos de quem o chamou de “Bolsa-Esmola” ou “Bolsa-Farelo”. O Bolsa Família sofreu uma oposição ferrenha fundada em mitos do neoliberalismo: segundo os detratores do programa, os benefícios reduziriam incentivo ao trabalho e incentivariam a dependência de auxílios governamentais.
O combate à pobreza, na visão neoliberal, deveria ser feito com programas que exijam a constante humilhação dos beneficiários. Qualquer auxílio direto deve ter como contrapartida a comprovação constante de que o beneficiário está se esforçando para sair do programa. “Eu, Daniel Blake”, filme de Ken Loach, expôs as humilhações que esse tipo de política impõe aos pobres.
Bolsa Família: a base da autonomia e de uma democracia saudável
Ao contrário do credo neoliberal, o Bolsa Família sempre apostou no desejo por autonomia de trabalhadores e trabalhadoras do país: a garantia de renda serve de base para que beneficiários e beneficiárias saiam da pobreza extrema e possam voltar ao mercado de trabalho, investir em suas qualificações ou nos estudos de seus filhos e filhas.
Os condicionantes do programa, como a vacinação e frequência escolar para crianças e adolescentes e o pré-natal para gestantes, também não são “obrigações” para os beneficiários. Pelo contrário, o acompanhamento dos condicionantes feito por Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) dá a assistidos e assistidas a oportunidade de cuidar da saúde e da educação de suas famílias, oportunidade frequentemente roubada pela desigualdade extrema do nosso país.
Por isso, o Bolsa Família carrega uma promessa de democracia mais ampla do que a democracia liberal: mais do que direitos civis e políticos formais, o programa reconhece direitos econômicos fundamentais. A garantia de renda mínima está intimamente atrelada ao exercício pleno da liberdade tanto civil quanto política.
As consequências políticas da autonomia econômica ficaram claras na eleição de 2022: a população brasileira percebeu prontamente o estelionato eleitoral de Jair Bolsonaro com o aumento do “Auxílio Brasil”. Viralizaram os vídeos de agradecimento pelo aumento do benefício acompanhado do reconhecimento de que era Lula quem realmente se preocupava com a vida dos mais pobres.
Também durante a campanha, proliferaram as denúncias de abuso do poder econômico. Bolsonaro e a elite econômica que o apoiou tentaram tomar o programa Bolsa Família com uma mão enquanto tentavam impor seu projeto político por meio do poder econômico com a outra.
Expandir a autonomia: Para além do Bolsa Família
Para fortalecer a autonomia da classe trabalhadora brasileira diante do poder dos capitalistas, é importante continuar a expandir o “ecossistema” que torna o Bolsa Família uma política tão bem-sucedida. Mais do que uma mera transferência de renda, como queria o neoliberal Milton Friedman, o Bolsa Família se integra com políticas de assistência social, de saúde e educação. Por meio do vínculo com o CadÚnico, o governo deve continuar na expansão das iniciativas integradas ao programa: por exemplo, fortalecendo a permanência estudantil no ensino superior, especialmente nos Institutos Federais espalhados pelo país, uma das grandes “portas de saída” do programa.
Apesar da correlação de forças desfavorável, o governo Lula deve manter a prioridade orçamentária do ecossistema próximo ao Bolsa Família. É dever do governo lutar para que o ajuste fiscal negociado com o congresso conservador seja direcionado aos privilégios da classe dominante, não aos programas que garantem a autonomia da classe trabalhadora: o programa popular, eleito nas urnas, exige que privilégios tributários dos super ricos sejam extintos antes de se impor limites a programas como o Bolsa Família.
O governo também deve priorizar seu papel como indutor do desenvolvimento social e econômico. As conquistas sociais da Constituição de 1988, como os pisos de investimento em saúde e educação, devem ser defendidos. Essas conquistas viabilizaram o “ecossistema” do Bolsa Família: as redes de educação pública, o SUS e o SUAS, por exemplo. Apesar das tentativas de desmonte da ainda limitada rede de proteção social brasileira, seus resultados também são conquistas de milhares de servidores públicos.
O Programa Bolsa Família é apenas a primeira camada da garantia de autonomia de trabalhadores e trabalhadoras brasileiro. Se o Bolsa Família ataca a extrema pobreza, é importante fortalecer a próxima camada, que o complementa. Aqui se encaixam políticas de criação de empregos formais estáveis, com direitos plenos e bem remunerados por meio de políticas de expansão da demanda agregada e de reindustrialização. Aqui também entram os programas de acesso à terra, como a reforma agrária, a concessão de crédito para a agricultura familiar e os programas de aquisição de alimentos.
O Bolsa Família garante que trabalhadores e trabalhadoras se afirmem como sujeitos políticos livres; os programas de acesso ao trabalho e à terra garantem que trabalhadores e trabalhadoras sejam sujeitos políticos livres e com poder.
Texto escrito por Juliane Furno, Luís Fernandes, Iriana Cadó e Pedro Faria, militantes do Movimento Brasil Popular