Thalles da Senção Oliveira Furtado*
No Brasil, o cenário político de 2024 apresentou um alerta significativo para movimentos progressistas e setores da esquerda. Nas eleições municipais, partidos identificados como “Centrão” tiveram um desempenho expressivo, conquistando a liderança em mais de 15 capitais e elegendo aproximadamente 57% dos vereadores do país. Esse bloco, composto por partidos como PSD, MDB, PP e União, é conhecido por sua flexibilidade política e pragmatismo, o que frequentemente se traduz em dificuldades para promover políticas focadas no bem-estar popular.
Historicamente, as pautas do Centrão tendem a priorizar acordos e alianças políticas que fortalecem sua posição, mas não necessariamente respondem às demandas por saúde, educação e direitos sociais essenciais da população (Santos, 1987). Desde os anos 1980, a presença deste grupo político no Congresso Nacional tem sido um fator determinante na dinâmica de poder do Brasil, um fenômeno descrito pelo cientista político Sérgio Abranches como “presidencialismo de coalizão” (Abranches, 1988). Esse modelo exige que o governo busque apoio em alianças políticas para garantir estabilidade e viabilizar projetos, mas a um custo: concessões políticas que frequentemente não favorecem o bem comum, como apontou Wanderley Guilherme dos Santos (Santos, 2003).
Com o fortalecimento do Centrão em 2024, a viabilidade de pautas progressistas está ainda mais ameaçada, e há riscos de retrocessos em conquistas sociais importantes. Nesse contexto, intensificar o trabalho de base surge como uma estratégia fundamental para a esquerda, modelo de mobilização que permite a construção de uma base sólida e genuína junto às comunidades, ouvindo suas demandas e promovendo um engajamento ativo.
Paulo Freire, em sua visão pedagógica, ressalta a importância do diálogo direto com as classes populares, destacando que uma política autêntica precisa estar conectada à vida e à realidade da população, devendo “falar com o povo, e não para o povo” (Freire, 1982). Esse trabalho territorial e cotidiano constrói um movimento coletivo robusto e menos dependente de lideranças isoladas. Da mesma forma, Marilena Chauí também reforça que uma democracia verdadeira exige a participação ativa do povo, em vez de decisões tomadas de maneira distante, em gabinetes (Chauí, 2000).
Para conter o avanço do Centrão, algumas estratégias de trabalho de base são urgentes e fundamentais, especialmente em regiões mais isoladas do país. A educação popular e a formação política, inspiradas em Paulo Freire, incentivam a formação de cidadãos críticos e conscientes. Essa prática pode ser disseminada em rodas de conversa e oficinas que abordam temas como moradia, gênero e raça, ampliando a compreensão dos cidadãos sobre seus direitos e seu papel na sociedade (Freire, 1982).
Além disso, o fortalecimento de movimentos comunitários, como associações de moradores e sindicatos, traz a política para o cotidiano e amplia a visibilidade das demandas locais, permitindo que elas sejam discutidas no cenário público. A presença contínua nas comunidades, além de ser uma prova de compromisso, constrói confiança e dá suporte real às necessidades da população. Assim, a articulação com movimentos sociais – como o movimento negro, indígena, feminista e ambiental – fortalece a união em torno de causas populares e reforça a luta por um progresso social coletivo.
Votos perdidos que poderiam mudar o cenário
Há muito tempo, ouvimos o mito de que os votos brancos e nulos são “transferidos” para o candidato que está na frente. No entanto, isso não passa de um boato, uma falsa crença. O que é real e preocupante é o aumento expressivo no número de abstenções a cada eleição. No último segundo turno, 27 de outubro, mais de 9,9 milhões de eleitores deixaram de votar. Diversos fatores podem ser apontados como causa dessa situação, mas o resultado final é o mesmo: a perda de uma oportunidade de transformação.
Em São Paulo, o segundo turno foi disputado entre Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB), com vitória de Nunes. Mas, ao analisar os números, fica mais evidente a necessidade do trabalho de base urgente. Com 3.393.110 votos para Ricardo Nunes, 2.323.901 votos para Guilherme Boulos e 3.605.433 votos de abstenção, nulos e brancos, o que vemos é que a negação do povo à política ganhou frente a qualquer um dos candidatos.
O Centrão em redutos da esquerda nacional
Por sua vez, no nordeste, que historicamente desempenha um papel decisivo nas eleições presidenciais brasileiras, o impacto da onda de vitórias do Centrão também foi considerável. Das 9 capitais da região, 7 foram conquistadas por partidos do Centrão ou da direita, tendo como exceções apenas as cidades de Fortaleza (PT) e Recife (PSB). No Maranhão, estado que nas últimas três eleições presidenciais mostrou apoio expressivo ao PT, o PL – partido de Jair Bolsonaro – obteve a maioria das prefeituras em 2024, indicando uma mudança significativa em relação a 2016, quando o PCdoB prevaleceu, e a 2020, ano em que o PDT liderou.
Um caminho de grandes desafios pela frente…
O fortalecimento do Centrão representa um sério desafio para aqueles que defendem uma sociedade mais justa. Além de potencialmente abrir espaço para o crescimento da extrema-direita nas próximas eleições, esse fenômeno exige que a esquerda intensifique seu trabalho de base. Como Paulo Freire e Marilena Chauí reforçam, uma política focada no bem comum exige um compromisso diário e uma construção coletiva junto às comunidades. É por meio dessa mobilização contínua que a esquerda poderá manter sua luta por políticas que atendam aos interesses populares, resistindo a pressões que visam atender a interesses particulares.
Este é um artigo de opinião pessoal e não necessariamente representa a posição do conjunto do Movimento Brasil Popular.
*Thalles Furtado é graduando Ciências Humanas na UFMA
** Edição: Emilly Firmino
Referências Bibliográficas
ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro. DADOS-Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v. 31, n.1, p. 05-34, 1988.
ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
Santos, Wanderley Guilherme dos. “A democracia impedida: o Brasil no século XXI.” Editora FGV, 2017.
Freire, Paulo. “Pedagogia do Oprimido.” Paz e Terra, 1987.
PELOSO, Ranulfo. Trabalho de Base: Organizar, Educar e Lutar. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
G1,(2024, outubro, 27), PT e PSB comandarão cada um uma capital do Nordeste as demais sete ficarão com a direita ou centro,
FAMEM,(2020, novembro,19), PDT é a legenda majoritária entre 20 que elegeram prefeitos no MA, https://famem.org.br/noticias/noticias/exibe/0025914-pdt-e-legenda-majoritaria-entre-20-que-elegeram-prefeitos-no-ma
G1,(2024, outubro, 28) Mais de 9,9 milhões de eleitores não foram as urnas no 2⁰ turno das eleições; abstenção foi de 29,2%,
https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2024/noticia/2024/10/28/eleicao-2024-abstencao.ghtml
SENADO NOTICIAS, (2024, outubro, 27) Segundo turno das eleições 2024 registra abstenção próxima a 30% do eleitorado, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/10/27/segundo-turno-das-eleicoes-2024-registra-abstencao-proxima-a-30-do-eleitorado