Artigo | Milei eleito na Argentina: breve análise sobre a vitória de Milei e perspectivas

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, representa um projeto de integração subalterna, associada e dependente. Foto: Reprodução/Instagram

Texto de Ronaldo Pagotto, militante do Movimento Brasil Popular 

Temos um quadro profundamente adverso com a vitória do ultraliberal Javier Milei. O impacto atravessa as fronteiras e alcança a América Latina e o mundo com uma vitória simbólica para a extrema direita. Alguns palpites sobre esse quadro:

    1. A crise econômica mundial alcança as regiões e os países de maneira desigual na profundidade, no tempo, ritmo, etc. A Argentina passa por uma crise importante e o sinal mais popular é o quadro inflacionário, mas não só.

    2. A crise é semelhante ao que ocorre nos demais países da região e poderia ser abordada de distintas formas. Escolho a macro de crise de projeto nacional de desenvolvimento. Melhor esclarecendo, a crise é o reflexo da falta de projeto nacional, democrático e popular.

    3. A falta de projeto não é uma realidade para a classe dominante argentina, que tem um projeto de integração subalterna, associada, dependente e de reafirmação da condição periférica, subdesenvolvida, terceiro-mundista ou simplesmente dependente. É o projeto dessa classe dominante, que já vive dolarizada, em geral tem dupla nacionalidade e passa metade do ano (quando não o tempo todo) entre os EUA e a Europa. Entre Miami e Paris. Nisso é o mesmo quadro dos donos do PIB brasileiro (1% que controla 50% da riqueza daqui).

    4. A crise argentina alcançou um quadro duro: o aumento do custo de vida e a inflação de três dígitos. Isso arrebenta com a economia das camadas populares, que são empurradas para o desespero. O governo Fernandes errou pouco, mas também acertou pouco. Mediano, se dividiu, sofreu pressões terríveis – impulsionada pela inflação galopante e aumento do custo de vida.

    5. O candidato do campo popular e democrático é o atual ministro. Um nome importante, quadro preparado. Mas fez uma campanha defensivista – do atual governo, das dificuldades para superar a superinflação e aumento do custo de vida, etc. Isso é uma desvantagem a priori em uma campanha eleitoral. Sempre se explicando, nas cordas e tendo que debater temas complexos com os adversários jogando com palavras, saídas milagrosas e fazendo demagogia. Vida dura pra ele.

    6. Do outro lado, o oposicionista é um novato e popular nas redes. Não tinha um passado para defender (ainda que macrista, o Macri apoiou outra candidatura até a virada pro segundo turno), e fez uma campanha propositiva e ofensiva: prometeu mudar tudo, resolver tudo. Usou a vantagem de fazer uma campanha ofensiva. Não explicou nada. Bateu em castas políticas, criticou os que querem o Estado para tudo e diante de qualquer tema complexo repetia os chavões.

    7. De um lado, o candidato Massa na linha consequente e debatendo/explicando tudo com a devida complexidade. Do outro, o candidato que prometeu tudo e explicava o supostos caminhos com ideias simples, chavões e muito do senso comum, tipo quando resumia os problemas aos “políticos”.

    8. O segundo turno obrigou Milei a ser mais contido e a recuar em um tanto de bobagens. Mas surfou na liberdade de defender verdadeiras mágicas para solucionar os graves problemas argentinos.

    9. Um elemento importante une e separa Milei (e até Bolsonaro) do Trumpismo: o nacionalismo. Do lado de lá Trump expressa um nacionalismo expansionista burguês típico e histórico. Do lado de cá, Milei é a caricatura e defende um nacionalismo antinacional: é um nacionalismo de subordinação, dependência, associado. Ou seja, é um nacionalismo ideológico para usar essa questão e no conteúdo é uma proposta absolutamente antinacional. Nisso é igual a Bolsonaro.

    10. As vantagens de Milei – não ter que defender governos e legados; ter como tônica a campanha ofensiva, prometendo solução para tudo e sempre por vias simples, custará caro como todo engodo. Não tem solução simples para os graves problemas vividos pelos argentinos, que em grande medida assolam também os países latinos e caribenhos e do sul global. As promessas cairão por terra mês a mês. Muito em breve será um governo nas cordas, pressionado pelas ruas – que não tenhamos dúvidas que se farão ouvidas.

    11. Que a esquerda argentina absorva a derrota e se reorganize – com unidade, iniciativa política, lutas de massas e muita, muita disputa ideológica. Nisso o tema mais delicado é a unidade, já que nos outros temas é uma esquerda com muita capacidade e que sempre foi uma referência.

    12. Os argentinos saberão colocar Milei para governar sob pressão de massas. Que Milei não vá pelo caminho sórdido dos outros líderes frágeis e que ao perderem força apelaram para o caminho do golpe. E que o povo suporte esses duros tempos para que mais adiante – tomara que em breve – possa derrotar esse projeto, essa figura e retome as rédeas para reconstruir a Argentina.

    13. Isso certamente passará por uma discussão sobre um projeto de país: em que as maiorias estejam representadas e priorizadas; integrado regional e mundialmente; capaz de construir a superação da condição subalterna, dependente e associada que foi chancelada por 55% dos votos neste domingo.

Este é um artigo de opinião pessoal e não necessariamente representa a posição do conjunto do Movimento Brasil Popular

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