Artigo | A diplomacia brasileira na contramão da (sua) história

“Se articular só na América Latina não é mais suficiente para enfrentar os desafios de um mundo, que se pretende multipolar”. Foto: Divulgação/Instagram

*Texto de Gladstone Leonel Júnior, militante do Movimento Brasil Popular

“A diplomacia sem as armas é como a música sem instrumentos”. Esta é uma famosa frase atribuída a Otto Von Bismarck, chanceler fundamental para unificação da Alemanha, e já citada por personagens políticos menos expressivos do que ele, como o político Eduardo Bolsonaro

De todo modo, poderia se dizer que a grande arma reivindicada historicamente pela diplomacia brasileira é a mediação, a integração, o multilateralismo e a não intervenção em assuntos internos e soberanos dos países em que se relaciona. Não por acaso, ela se gaba por ter contribuído em diversos conflitos no mundo de maneira relevante com parcimônia e equilíbrio, como a atuação de Oswaldo Aranha no plano de partilha da Palestina e construção do Estado de Israel, dentre outros mais recentes. 

Ao que parece, a discrição e equilíbrio não tem sido mais a tônica da diplomacia brasileira, ao tratar de parceiros históricos no governo Lula 3. O curioso é que este ímpeto de enfrentamento não é direcionado aos países que impedem um maior avanço ao multilateralismo como os Estados Unidos, ou o Estado cujo exercício tem sido o colonial de poder, como Israel, por exemplo, mas aos países da periferia do sistema-mundo de sempre, mais especificamente à Venezuela.

O sonho pan-americanista de Bolívar se expandiu. Se articular só na América Latina não é mais suficiente para enfrentar os desafios de um mundo, que se pretende multipolar.  Por isso, a importância recente do Brics e a sua necessária expansão contrariando a linha política hegemônica ditada pela política estadunidense. A Venezuela, não tendo a força política brasileira, teve clareza da importância desse tipo de movimentação e se fez presente na última cúpula do Brics em Kazan, Rússia, com a finalidade de integrar essa parceria. Movimentação essa que foi vetada pelo Brasil. Curiosamente e contrariando o comportamento histórico da diplomacia brasileira e de um governo que afirma ter um projeto soberano, não interventor e popular. 

A justificativa levantada tem sido a descumprimento democrático no resultado das eleições venezuelanas. Se for considerar esta a razão para o veto, a diplomacia brasileira terá sérias dificuldades de se relacionar com uma variedade de países membros da ONU, quando o assunto for democracia interna, algo que a diplomacia brasileira não se intrometia prezando pela autodeterminação dos povos. Vide na França, a medida antidemocrática do tão festejado Emanuel Macron de ignorar solenemente a vitória parlamentar da esquerda e nomear um primeiro-ministro de direita, não reconhecido pelos vencedores das eleições. Vide na Ucrânia, cujo presidente Zelensky governa desde o mês de maio de 2024, sem mandato presidencial, mantendo uma país em guerra e não criando formas para que o povo opte por escolher seus governantes e o seu futuro. Isso sem problematizar os próprios membros dos Brics.

Ao vetar a Venezuela de constituir a parceria com o Brics, o governo brasileiro não só se equipara ao governo Bolsonaro, em manter uma postura agressiva e prejudicial a um aliado histórico, mas vai além. 

A gratidão não deveria ser o melhor dos argumentos para o estabelecimento de articulações políticas, mas cabe refrescar a memória da diplomacia do atual governo, que a Venezuela, além de ser um aliado histórico do Brasil na defesa da sua soberania, tomou inúmeras medidas nesse sentido. Basta lembrar da posição de rechaço do governo Maduro diante do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016 e a denúncia das atrocidades cometidas pela Operação Lava Jato, cuja Vara Federal em Curitiba agia em conluio com a inteligência dos Estados Unidos, algo evidenciado depois na Vaza-Jato, o que gerou a prisão do atual presidente Lula. Cabe lembrar também, que quando faltou oxigênio no Brasil, em Manaus, durante a pandemia, em razão da inoperância do governo passado, quem socorreu o Brasil foi a Venezuela. É mais do que gratidão, mas política de solidariedade internacional.

Isso sem falar que baixar a cabeça para a linha política dos Estados Unidos/União Europeia é fragilizar toda a América Latina e sua capacidade de afirmar seu poder frente a ingerência dos atores mais influentes no mundo.

Pragmaticamente, qual a importância de um país como a Venezuela nesta articulação? É o país com a maior reserva de petróleo do mundo, além de diversos outros minerais e uma biodiversidade importantíssima; é grande exportador de matéria-prima para países do Brics, como Rússia, China e Índia; e sempre foi um dos parceiros econômicos mais importantes do Brasil na política de exportação, que já chegou a 5 bilhões de dólares.  

A luta ideológica nesta seara internacional se faz cada vez mais necessária. Hoje, os Brics constituem a maior experiência recente de enfrentamento político-econômico aos Estados Unidos e à União Europeia. A vacilação poderá cobrar um preço grave à esquerda brasileira. Bom era quando Chico Buarque tinha razão e afirmava sem titubear que “este é um governo que não fala fino com os Estados Unidos, nem grosso com a Bolívia”. Que este episódio nos permita resgatar essa máxima, que nunca deve nos faltar. 

*Este é um artigo de opinião pessoal e não necessariamente representa a posição do conjunto do Movimento Brasil Popular.

Via Brasil de Fato

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